Introdução
Ao final do século xvii, a descoberta das minas auríferas no Estado do
Brasil conduziu a um intenso reordenamento entre o centro e as partes do império,
no
qual a fiscalidade, em geral, e a arrematação de contratos de impostos, em
particular, desempenharam um papel crucial na formação de novas dinâmicas e arranjos
entre a coroa e seus vassalos reinóis e ultramarinos. Além do tema sensível da
tributação, como se nota nos longos debates sobre o quinto e a capitação (Costa, 2013), havia a questão crucial sobre
arrematar contratos no reino ou nas capitanias, privilegiar grupos mercantis de
Lisboa ou das praças coloniais, representando um dos principais desafios enfrentados
pelo governo de dom João V no reagrupamento de tendências político-econômicas
centrífugas e centrípetas que percorriam o império.
As regiões adjacentes às minas auríferas também sofreram intensa reformulação em seu
papel político, militar e econômico, tríade sem a qual é impossível compreender
o
surgimento de novas unidades de poder regional expressas pela criação das
capitanias-gerais na primeira metade do século xviii. Nesse sentido, a
capitania de São Paulo mostra-se como um caso exemplar das mutações imperiais
do
Centro-Sul brasileiro, desempenhando a fiscalidade papel central no reagrupamento
dos poderes privados e estatais no plano regional e também imperial. Neste trabalho,
busca-se indicar, pelo estudo da citada capitania, como a jurisdição sobre a
arrematação dos contratos representava um dos eixos principais na delimitação
da
arquitetura de poderes no império português na época de dom João V, aprofundando
estudos anteriores importantes, como o de Luiz Antônio Silva Araújo (Araújo, 2008). Outro objetivo é analisar, pela
perspectiva fiscal, como o governo do império era formado por configurações
institucionais entre diversas camadas do poder local, regional e central,
destacando-se este segundo espaço de poder sobre as formas de negociação e conflito
na monarquia.
A primeira seção aborda alguns aspectos econômicos da capitania de São Paulo na
primeira metade do século xviii, substrato para o crescimento dos valores
dos contratos de impostos. A segunda seção analisa o movimento pendular entre
o
Conselho Ultramarino e a Provedoria da Fazenda paulista quanto à jurisdição sobre
os
leilões de venda dos contratos da capitania. Nesta seção, buscou-se periodizar
e
quantificar corretamente a atuação do Conselho Ultramarino sobre os contratos,
bem
como apresentar os argumentos dos poderes regionais para a conservação das
arrematações em São Paulo. Na terceira seção, são apontadas as trajetórias de
alguns
contratadores vinculados à capitania, notadamente homens de negócio das praças
de
Lisboa e do Rio de Janeiro. Por fim, são expostos dois casos de homens de negócio
residentes em São Paulo que conseguiram algum espaço frente ao poderio de seus
concorrentes.
Aspectos do crescimento econômico da capitania de São Paulo na primeira metade do
século XVIII
A capitania de São Paulo e Minas do Ouro, criada em 9 de novembro de 1709,
originou-se dos territórios das capitanias de São Vicente e as de Santo Amaro
e
Santana. Estas últimas foram compradas pela coroa portuguesa ao marquês de Cascais
e
conde de Monsanto, herdeiro de Pero Lopes de Sousa, seu donatário original. As
contendas entre paulistas e emboadas foram a principal causa da criação da
capitania. Em 1720, as regiões de São Paulo e Minas foram separadas em capitanias
distintas e com governos próprios. No mesmo ano, foram incorporadas à nova capitania
as vilas do litoral (Santos, Parati, Ubatuba e São Sebastião) que ainda permaneciam
sob o governo do Rio de Janeiro. A existência de um governador próprio e a
conservação de remessas fluminenses para a fortificação da praça seriam traços
do
caráter extraordinário da vila de Santos ao menos até o governo do morgado de
Mateus
(Ellis, 1975, pp. 148-154).
Além da própria região das Minas Gerais, a descoberta do ouro nas minas de
Coxipó-Mirim, ponto inicial para Cuiabá, em 1718, e depois em Goiás, em 1725,
transformaram a capitania de São Paulo em um centro distribuidor de mercadorias
que
unia o Atlântico, o Rio da Prata e o centro da América portuguesa. Como ocorria
em
outras partes da América portuguesa, o aumento do valor dos contratos da capitania
de São Paulo estava vinculado ao crescimento da produção agrária e do comércio
terrestre e marítimo, estimulado pela demanda de mercadorias e de escravos pelas
minas auríferas. No caso paulista, o ouro das minas haveria de influir sobre as
finanças da capitania de forma real, pela arrecadação do quinto de Goiás e Mato
Grosso, mas também de maneira especulativa, favorecendo valores mais elevados
para
os contratos.
Boa parte da historiografia tem destacado a importância do impulso minerador sobre
a
dinâmica econômica da capitania. Plantava-se milho e feijão para as monções do
Cuiabá, tangiam-se bois, cavalos e mulas dos campos meridionais para as Minas
Gerais
e o Rio de Janeiro, criavam-se porcos para a feitura do toucinho e de carne salgada,
cultivava-se um pouco de fumo e arroz. Os mercadores do planalto lucravam com
o
envio de aguardente, azeite, sal, ferro, mulas, açúcar e vinho de São Paulo para
Goiás. O comércio obtinha seus ganhos, tudo queria vender para as minas, sem se
preocupar com a carestia que afetava os habitantes da capitania. O aumento dos
preços indicava também algum consumo da própria capitania. Sob o estímulo dos
fluxos
comerciais no litoral e serra acima, houve o crescimento do número de homens de
negócio habilitados para a aquisição dos contratos régios. Na cidade de São Paulo,
as conexões dos negociantes, muitos deles reinóis, atingiam Rio de Janeiro, Minas
Gerais, Goiás, Mato Grosso e Rio Grande (Borrego,
2006, p. 101; Holanda, 1976, p.
109-119).
“Retaguarda das minas”, segundo a expressão de Mafalda Zemella, a bonança da
capitania paulista foi maior nas primeiras décadas do século xviii. O
impedimento dos caminhos adjacentes transformava São Paulo na principal porta
de
acesso à demanda das regiões auríferas, especialmente a rota do caminho velho
que
passava por Mogi das Cruzes, Taubaté, Guaratinguetá e a passagem do Hepacaré (atual
Lorena) para desembocar em dois caminhos, um para Ribeirão do Carmo e Ouro Preto
e
outro para o Rio das Velhas. A Bahia estava proibida de comerciar com Minas Gerais,
exceto nos negócios de gado, e o Rio de Janeiro encontrava-se destituído de um
caminho direto com o núcleo urbano minerador até o início da década de 1730. Mesmo
o
trajeto fluminense por Parati acabava por confluir em Taubaté com o caminho velho
paulista. Ainda depois da abertura do caminho novo, permitindo o acesso direto
do
Rio de Janeiro a Minas, São Paulo ainda manteve a primazia sobre o comércio com
Goiás e Mato Grosso, além do negócio das tropas vindas do sul da colônia (Zemella, 1990, pp. 62-63, 115-117). A despeito
dessa rivalidade entre o caminho antigo e o novo, apontada pela obra clássica
de
Zemella, pesquisas recentes, baseadas nos registros fiscais da Mantiqueira, apontam
a articulação duradoura entre o sul de Minas, Rio de Janeiro e São Paulo da segunda
metade do século xviii às décadas iniciais do século xix. Subiam
às minas, sal, animais de transporte e escravos em troca de reses, porcos e tabaco,
oriundos, em geral, das fazendas sul-mineiras. Também alguma aguardente paulista
de
diversas vilas de São Paulo era enviada até São João Del Rei (Carrara, 2007, pp. 132, 143).
O comércio marítimo pela vila de Santos também é um aspecto relevante para explicar
o
crescimento paulista no período. Por resolução régia de 20 de fevereiro de 1720,
a
vila de Santos passou a ter liberdade de comércio com os navios vindos do reino
nas
frotas do Rio de Janeiro. Segundo Zemella, a medida permitiu a entrada de escravos
e
de mercadorias europeias e asiáticas pelo porto rumo às minas (Zemella, 1990, pp. 62, 109). Entre 1739 e 1763, quinze
embarcações saídas da frota fluminense, algumas delas corvetas e galeras pequenas,
foram direcionadas ao porto de Santos. As naus retornavam pelo Rio de Janeiro
no ano
posterior à saída de Lisboa.1
Além do comércio ultramarino, também havia o transporte de mercadorias enviadas por
homens de negócio da Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro para a praça de Santos,
conforme se percebe pela questão da dupla tributação da dízima da alfândega no
porto
paulista. As embarcações não eram de grande porte, assim como as carregações,
pois
afirma, em 1736, o governador da praça de Santos: “ao porto desta vila não vêm
embarcações de artilharia, somente sumacas, e barcos que navegam por esta costa
transportando gêneros de fazendas secas, e comestíveis”.2
Outro tema pouco explorado relativo ao crescimento da capitania na primeira metade
do
século xviii refere-se ao tráfico de escravos. Enquanto no século
xvii, a presença africana em São Paulo foi bastante esporádica, já ao
início da centúria seguinte, observa-se uma demanda crescente por escravos
africanos. Um alvará régio, elaborado em 1701, permitiu a entrada de 200 negros
de
Angola para a capitania paulista a partir do Rio de Janeiro. Em 1711, aprovou-se
o
compromisso da irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos na cidade
de
São Paulo, indicando o adensamento da população negra, ao menos na capital. Segundo
John Monteiro, a demanda por escravos decorria tanto do incremento do tráfico
negreiro para as minas, quanto do emprego da mão de obra escrava nas grandes
propriedades rurais paulistas ao início do século xviii. A substituição da
escravidão indígena pela africana processava-se de forma bastante incompleta,
sendo
realizada integralmente apenas ao final do século, com o advento da lavoura
açucareira (Monteiro, 1994, pp. 220-226;
Silva, 2009, pp. 75, 84).
Os inventários setecentistas revelam a presença crescente de escravos africanos. Os
dados apresentados por John Monteiro permitem observar o aumento no número de
escravos africanos e a redução dos índios nos inventários de São Paulo e Santana
do
Parnaíba entre 1710 e 1725 (Monteiro, 1994, pp.
222-223). Maria Aparecida Borrego, pesquisando os negociantes paulistanos
entre 1725 e 1793, concluiu, a partir dos inventários, que boa parte dos escravos
era proveniente das regiões de Benguela, Angola, Mina e Congo. Os proprietários
possuíam plantéis de médio e grande porte (dez a 29 escravos), empregando os
escravos em atividades urbanas e agrícolas. Eles também eram utilizados
esporadicamente em obras públicas (Borrego, 2006, pp.
224-231).
A ascensão do Conselho Ultramarino nas finanças régias
Desde 1642, com exceção das questões eclesiásticas, sob responsabilidade da Mesa de
Consciência e Ordens, o Conselho Ultramarino dispunha jurisdição total sobre os
territórios ultramarinos, mormente sua administração fazendária.3 Antes, especialmente a partir da década de 1620,
as matérias relativas à fiscalidade e à defesa do Brasil eram tratadas no próprio
Conselho da Fazenda. Neste último, apenas seria mantida a jurisdição sobre as
frotas
para Índia e Brasil. Depois da criação do Conselho Ultramarino, as relações entre
os
dois conselhos foram bastante ambíguas, havendo tanto conflitos quanto associações.
Logo ao seu início, a presidência do Conselho Ultramarino foi entregue ao marquês
de
Montalvão, Jorge de Mascarenhas, um dos vedores da fazenda do Conselho da Fazenda
e
responsável pela administração fazendária da Índia. A medida procurava reduzir
os
possíveis atritos entre as duas instituições. Não obstante estes conflitos, não
era
uma relação entre iguais. Em relação aos domínios, cabia ao Conselho da Fazenda
operar sob as sombras do novo protagonista (Joyce
Jr., 1974; Sousa, 1783-1791, vol. 4, p.
478).
A partir da década de 1660, a proeminência do Conselho Ultramarino sobre a
administração do império alterava, ao menos no além-mar, o feitio equilibrado
entre
as jurisdições sinodais. O governo do ultramar não espelhava a fragmentação e
a
pulverização de forças que se esperava encontrar no reino. Em primeiro lugar,
a
criação do conselho afastou e delimitou outro circuito de atuação para os conselhos
restantes da monarquia. Assim, o governo imperial a partir de Lisboa já não era
polissinodal, mas vinculado a apenas um conselho, com a ressalva observada nas
questões religiosas. Em segundo lugar, o exercício da própria jurisdição do conselho
era uma força aglutinadora e centrípeta, que não se assemelhava muito ao modelo
restrito de administração passiva, centrado na conservação da justiça. Enquanto
este
último paradigma vinculava-se à continuidade e ao restabelecimento constante de
equilíbrios, o exercício de poder no ultramar fundava-se sobre situações de
conflitos e rupturas. Ademais, os domínios não continham o peso da tradição e
dos
costumes que escoravam a conservação dos corpos políticos do reino. A plasticidade
e
precocidade dos privilégios ultramarinos tornavam mais dúctil o governo dos vassalos
ultramarinos. Assim, a partir do modelo político inicial do reino originaram-se
transformações que conduziam à hipertrofia do Conselho Ultramarino. Não obstante
sua
força, este processo ocorreu com vagar, percalços e resistências, sem atingir
grande
sucesso no período anterior ao segundo quartel do século xviii.
Embora o regimento do Conselho Ultramarino previsse a jurisdição sobre a
administração da fazenda dos domínios, a ascensão do conselho sobre as finanças
do
além-mar foi longa e descontínua, arrastando-se por toda a segunda metade do século
xvii e início do seguinte.4 Enquanto o conselho não tivesse controle sobre as finanças
das câmaras e a arrematação dos contratos, a supervisão sobre a Real Fazenda
exercia-se de forma pouco sistemática, não abarcando todos os tributos. Restava
o
controle sobre as rendas e despesas geridas pelas provedorias, tarefa difícil
quando
vários contratos eram arrematados no ultramar e havia a intermediação do
governo-geral no cargo do provedor-mor.5
Como já apontou Laura de Mello e Souza, somente nas primeiras décadas dos setecentos
é que se percebe uma visão integrada das diversas partes da América portuguesa,
gestada na alta burocracia régia, face aos desafios externos e internos ao império
(Souza, 2006, pp. 107-108). Uma concepção
mais integrada do funcionamento da fiscalidade imperial e a busca de mecanismos
mais
eficazes de controle também tendem a tomar corpo apenas no século xviii.
Simultaneamente ao processo de transferência de diversos tributos das câmaras
para
as Provedorias da Real Fazenda, assiste-se ao maior grau de intervenção do Conselho
Ultramarino sobre as arrematações dos contratos.
Neste sentido, devido à descoberta das minas auríferas, o final do século
xvii representou uma mutação quantitativa no volume de remessas do
Brasil para o Conselho da Fazenda e o Conselho Ultramarino. Entre 1682 e 1688,
as
remessas equivaliam a 640 000 réis por ano. A partir de 1688, este montante eleva-se
a 8 528 000 réis por ano e alcança 12 177 000 réis entre 1694 e 1700. As
transformações no volume de recursos exigiam outras medidas destinadas ao
ordenamento e controle dos contratos régios (Rau e
Silva, 1956, v. 1, pp. 457-458).
A formação de conluios entre oficiais régios e contratadores, inutilmente proibida
pela coroa, também favoreceria a centralização das arrematações no Conselho
Ultramarino a partir de 1723. Naturalmente, contribuíam para tal desfecho os
interesses dos mercadores reinóis, em busca de ganhos fiscais na economia vitalizada
pela mineração. Com esta medida, as Provedorias da Fazenda nas capitanias
tornar-se-iam meras caixas da Real Fazenda, sem controle sobre o leilão dos
contratos. Anteriormente, as arrematações ocorriam por meio das provedorias de
cada
capitania sob a supervisão da Provedoria-Mor, sediada em Salvador. Os contratos
eram
divididos por capitanias, caso dos dízimos e da pesca da baleia, visando-se, desta
forma, à obtenção de preços mais elevados na venda aos arrematantes. Os dízimos,
por
exemplo, inicialmente formaram um contrato unificado do Estado do Brasil, sendo
depois desmembrados em diversos contratos (Dias,
2010, pp. 98-99; Lyra, 1970, pp.
45-46).
A partir da decisão régia de 1723 os contratos deveriam ser arrematados por três anos
em Lisboa, fato que fortalecia tanto a administração central do império, o Conselho
Ultramarino, quanto os negociantes reinóis, conforme apontou a interpretação
consistente de Luiz Antônio Silva Araújo (Araújo,
2008).6 Ainda assim, era
possível aos membros das elites coloniais o recurso às procurações para participarem
dos leilões, quando não pudessem estar presentes. Por motivos ainda pouco claros,
retornou-se ao final de 1731 para o sistema anterior, deixando-se a cargo das
autoridades nas capitanias (governadores, provedores da fazenda, ouvidores e
procuradores da fazenda) a feitura das arrematações que deveriam ocorrer “sem
dolos,
nem conluios”.7
Novamente, ao início de 1736, por decisão pensada no Conselho Ultramarino, as
arrematações retornaram a Lisboa. Nas capitanias, os provedores deveriam notificar
com editais as arrematações futuras. A medida foi tão súbita que nem se esperou
o
término de vários contratos, ordenando-se a arrematação provisória por apenas
um
ano. Também houve resistências por parte dos provedores, que continuaram a realizar
as arrematações nas capitanias, prática a ser penalizada com a perda do ofício,
conforme se depreende de uma reprimenda de dom João V.8 Assim, parece correto destacar que a ascensão do
Conselho Ultramarino sobre a arrematação dos contratos dos domínios foi lenta
até
1722 e errática entre 1723 e 1735, estando completamente assegurada apenas no
período de 1736 a 1761.
O quadro 1 apresenta as principais diferenças
na evolução dos contratos arrematados pelo Conselho Ultramarino entre 1671 e 1789
de
acordo com os períodos nos quais as arrematações procederam em Lisboa ou nos
domínios. A única exceção é o período entre 1751 e 1761, que não seguiu tal
critério, pois se desejava avaliar a evolução dos contratos após o fim da capitação,
também ápice da arrecadação aurífera em Minas Gerais, e antes da criação do Erário
Régio. Ademais, esta divisão impede uma distorção muito grande nos resultados
por
concentrar um número muito elevado de contratos de tributos em apenas um
período.
A distribuição dos contratos, tanto em seu número, quanto pelos valores acumulados,
indica a concentração das arrematações entre 1737 e 1761, quando foram leiloados
67%
dos contratos, o que representa 66% do valor total de todos os contratos arrematados
entre 1671 e 1789. Também foram as épocas que indicaram a maior média anual quanto
aos valores dos contratos. Em seguida, há o período de 1723 a 1731, quando foram
vendidos 18% de todos os contratos (17% do valor total), além de ter sido o terceiro
melhor desempenho da média anual do valor total dos contratos.
QUADRO 1
CONTRATOS ARREMATADOS NO CONSELHO ULTRAMARINO, 1671-1789
Período |
Período (anos) |
Número de contratos |
Contratos ilegíveis |
Valor total dos contratos (em
réis) |
Média de contratos ao ano |
Média anual do valor total (em
réis) |
Valor médio por contrato (em
réis) |
1671-1722
|
52
|
26
|
6
|
1 476 163 000
|
0.5
|
28 387 750
|
73 808 150
|
1723-1731
|
9
|
89
|
2
|
6 000 780 000
|
9.9
|
666 753 333
|
68 974 483
|
1732-1736
|
5
|
7
|
0
|
1 271 312 000
|
1.4
|
254 262 400
|
181 616 000
|
1737-1750
|
14
|
223
|
19
|
15 239 357 196
|
2.5
|
1 088 525 514
|
74 702 731
|
1751-1761
|
11
|
109
|
6
|
8 331 437 000
|
9.9
|
757 403 364
|
80 887 738
|
1762-1789
|
28
|
39
|
3
|
3 452 970 780
|
1.4
|
123 320 385
|
95 915 855
|
Total
|
119
|
493
|
36
|
35 772 019 976
|
3.8
|
300 605 210
|
78 275 755
|
|
Distribuição |
Variação quanto ao período
anterior |
|
Número de contratos
(porcentagem) |
Valor dos contratos
(porcentagem) |
Média dos contratos
(porcentagem) |
Média anual (porcentagem) |
Valor médio dos contratos
(porcentagem) |
1671-1722
|
5
|
4
|
–
|
–
|
–
|
1723-1731
|
18
|
17
|
1880
|
2249
|
-7
|
1732-1736
|
1
|
4
|
-86
|
-62
|
163
|
1737-1750
|
45
|
43
|
79
|
328
|
-59
|
1751-1761
|
22
|
23
|
296
|
-30
|
8
|
1762-1789
|
8
|
10
|
-86
|
-84
|
19
|
As médias permitem perceber a velocidade com a qual os contratos eram vendidos, porém
não é ponderada pelos valores nominais dos contratos. Os períodos de 1723 a 1731
e
de 1751 a 1761 apresentaram uma média bastante elevada, com quase dez contratos
arrematados anualmente. Em compensação, houve períodos de baixo dinamismo entre
1732
e 1750 e após 1761 (1.4-2.5 contratos ao ano), incomparáveis, ainda assim, com
a
morosidade anterior a 1723 (0.5 contrato ao ano). O valor médio dos contratos
seria
um bom indicador se fosse possível deflacionar os dados, porém uma avaliação justa
acaba sendo prejudicada pelos valores nominais.
De modo geral, as cifras obtidas apontam a vitalidade do Conselho Ultramarino,
sobretudo entre 1738 e 1755, mesmo após a criação da Secretaria da Marinha e
Domínios Ultramarinos em 1736. Ao menos no tocante à fiscalidade imperial, o
conselho continuava a ser a principal instituição de articulação e controle dos
domínios.
Em relação à arrematação dos contratos da capitania de São Paulo, pode-se considerar
que a incorporação ao Conselho Ultramarino só ocorreu completamente a partir de
1738. Entre 1726 e 1731, apenas nove contratos da capitania foram arrematados
em
Lisboa: o subsídio das aguardentes de Santos (1726 e 1727), os dízimos de Santos
e
São Paulo (1726, 1728 e 1730), os dízimos das minas de Cuiabá (1726), as passagens
de São Paulo para as minas de Cuiabá (1727 e 1731) e o estanco da pesca da baleia
(1729). O montante dos valores pagos aos contratos totalizara 89 505 000 réis.
O
reinício das arrematações dos contratos de São Paulo em Lisboa ocorreria somente
em
1738, um ano depois da promulgação da ordem régia. Entre 1738 e 1748, ano de
extinção da capitania, foram arrematados 21 contratos, que totalizaram 631 135
829
réis. Tal montante representava o sétuplo do valor acumulado entre 1726 e 1731.
A
média anual dos valores acumulados de 1738 a 1748 equivalia a 2.8 vezes a média
para
o período de 1726 a 1731. Considerando-se o valor médio por contrato para cada
período, percebe-se que, no segundo momento, os contratos valiam o dobro do
primeiro. Tais dados indicam que houve tanto um crescimento do montante anual
arrematado, quanto dos valores dos contratos, em que pese a inflação no
período.9
É interessante notar as razões pelas quais não ocorreu uma incorporação de todos os
contratos ao Conselho entre 1723 e 1731. A primeira das resistências adveio do
próprio atraso do Conselho, o que acabou sendo uma escusa para os defensores das
arrematações em São Paulo. Até meados de 1724, o provedor da fazenda ainda não
havia
recebido as ordens necessárias para a arrematação dos contratos em Lisboa, sendo
que
vários deles já estavam findando e, caso não fossem arrematados logo, causariam
grande prejuízo à Real Fazenda pela descontinuidade na arrecadação. O governador
Rodrigo César de Meneses e o provedor da fazenda opunham-se aos leilões em Lisboa,
pois nenhum dos interessados nos contratos e residentes na capitania possuía
fiadores na corte. Tampouco se acreditava que houvesse algum negociante no reino
interessado nos contratos da capitania devido à grande distância para se efetuar
a
cobrança, crença que depois se provou completamente infundada. Ademais, como
argumentava Meneses em carta ao rei escrita em 1725, era vantajoso arrematar os
contratos aos habitantes da capitania, que eram pessoas com conhecimento suficiente
das terras e do seu rendimento, ao contrário do que ocorria com os naturais do
reino.
Pouco tempo depois, Meneses escrevia novamente ao rei informando a realização de uma
junta extraordinária com os oficiais da fazenda (o provedor da fazenda) e justiça
(o
procurador da coroa e fazenda e o juiz de fora, pois, o ouvidor-geral estava
ausente), além dos governadores (o próprio Meneses e o governador da praça de
Santos). Como não havia interessados na capitania de São Paulo em arrematar os
contratos paulistas em Lisboa, com início em abril de 1725, acreditavam ser mais
conveniente proceder-se à arrematação na própria capitania, pois não poderiam
ficar
sem arrecadação até a resolução régia. Desta forma, leiloaram-se em São Paulo
os
contratos dos dízimos de Santos e São Paulo, os dízimos das minas de Cuiabá e
as
passagens dos rios Pacaré e Jacareí.10 A resposta de dom João V e dos membros do Conselho
Ultramarino à decisão tomada pela junta indica a anuência régia por conta do aumento
dos contratos e pela crença de que esses sempre deveriam ser arrematados, e nunca
correr por administração direta da coroa. Porém, no triênio seguinte, quando não
ocorressem tais atrasos, não haveria como furtar-se às arrematações em Lisboa.11
Ainda em relação a estas arrematações realizadas em 1725, duas observações de Rodrigo
César de Meneses indicam o interesse de membros da elite da capitania na
continuidade dos leilões na capitania. A primeira refere-se ao crescimento do
valor
do contrato dos dízimos de Santos e São Paulo em quase 8 000 000 réis (32 400
000
réis pelo contrato em 1725, 24 500 000 réis pelo anterior). O governador notava
que
o contrato “subira a tanto por piques [disputas] que houve entre os lançadores”,
indicando que já havia algum envolvimento das elites locais, possivelmente
mercantis, no negócio dos contratos, bem como havia concorrência entre seus membros.
A segunda observação referia-se às desvantagens que os contratadores paulistas
teriam com a transferência das arrematações para Lisboa, além da necessidade de
fiadores, pois “ainda que mand[assem] lançar pelos seus procuradores [seria] com
preço certo e limitado que eles não pode[riam] exceder”.12
Portanto, a mudança trazia condições desiguais de concorrência entre os contratadores
residentes na colônia frente aos negociantes reinóis. Diversamente das primeiras
advertências à decisão da junta convocada por Meneses no ano anterior, a resposta
régia foi seca e resoluta: as arrematações seriam realizadas definitivamente em
Lisboa, pois mostrava a experiência “que muitos contratos das conquistas t[inham]
crescido muito as suas arrematações nesta Corte”. Ao governador caberia apenas
enviar as condições anteriores dos contratos para se proceder aos leilões em
Lisboa.13
No caso de Minas Gerais, Sofia Antezana também identificou resistências por parte
do
governador da capitania Lourenço de Almeida em realizar as arrematações em Lisboa
durante a década de 1720. Na interpretação da autora, a transferência acarretaria
o
rompimento das redes clientelares estabelecidas pelos governadores, que envolviam
o
provedor da fazenda e os contratadores. A mudança das arrematações para Lisboa
reduziria “o envolvimento dos governadores e demais ministros nas arrematações
dos
contratos”, evitando a formação de conluios nos leilões (Antezana, 2006, pp. 85-86, 145).
Certamente, as resistências na capitania mineira foram maiores do que em São Paulo,
pois apenas os contratos dos dízimos de Minas, divididos em três comarcas, foram
arrematados pelo Conselho Ultramarino em 1727 e 1730. Por outro lado, deve-se
considerar de igual importância das redes tecidas entre os negociantes reinóis
e o
Conselho Ultramarino, que muitas vezes se contrapunham àquelas existentes nas
capitanias. Outro aspecto a considerar, porém ainda pouco estudado, refere-se
às
disputas pelas propinas dos contratos entre os membros do Conselho Ultramarino
e os
oficiais régios da fazenda das capitanias, além do próprio governador.
Em 1726 e 1727, foram realizadas as primeiras arrematações em Lisboa dos contratos
da
capitania de São Paulo. Havia ainda uma pequena brecha permitida pela voracidade
do
Conselho. Contratos de pequena monta, como os das passagens, poderiam ser leiloados
na capitania de São Paulo, caso não houvesse lances em Lisboa. Tal situação ocorreu
em 1729 com o contrato das entradas das minas de Paranapanema, que não atraíra
arrematantes no Conselho pela redução da produção aurífera, tendo “já desertado
a
maior parte da gente”. No mesmo ano, o contrato da passagem dos rios Atibaia,
Jaguari, Mogi, Pardo e Sapucaí, todos no caminho para as minas de Goiás, também
foi
arrematado na própria capitania, medida tomada pelo governador e o provedor da
fazenda, posteriormente aquiescida pelo rei.14
Se antes havia titubeios quanto aos rumos dos contratos, o período de 1738 a 1765
marca o declínio efetivo das arrematações pela Provedoria da Fazenda e da
participação de membros da incipiente elite paulista nos leilões. Porém, quando
se
consideram apenas os valores dos contratos, não se pode falar em decadência por
parte do Conselho Ultramarino e dos mercadores reinóis. Pelo contrário. Como já
se
apontou anteriormente, o período de 1738 a 1748 foi mais promissor do que o período
de 1726 a 1731. Mesmo após a extinção da capitania, a média anual dos contratos
arrematados no Conselho entre 1748 e 1765 manteve-se regular, 6% acima da média
do
período anterior. Levando-se em consideração somente os contratos, caberia pensar
mais em estagnação da capitania do que exatamente declínio.
Origem e trajetória de alguns contratadores: o caso da capitania de São
Paulo
A partir de 1723, ao lado da centralização dos contratos em Lisboa, fortalecendo o
Conselho, é preciso averiguar o quanto a medida vinculou-se ao fortalecimento
exclusivo dos negociantes da capital imperial. Como indicado anteriormente, havia
brechas que poderiam ser exploradas pelos homens de negócio atuantes nas capitanias.
Em tese, bastava possuir um procurador em Lisboa para poder competir com os
comerciantes residentes no reino.
Ademais, na primeira metade do século xviii, a amplitude dos investimentos
possíveis aos grandes negociantes portugueses, e alguns estrangeiros, residentes
no
reino também contribuía para atenuar o caráter hegemônico reinol que o sistema
de
contratos poderia adquirir. Além do comércio marítimo, dos seguros e fretes ou
do
comércio de dinheiro e letras de câmbio, por exemplo, os grandes negociantes
portugueses, e alguns estrangeiros, residentes no reino possuíam uma ampla carteira
de aplicações vinculadas à fiscalidade régia para se aventurarem. Esta escolha
dependia da jurisdição das instituições que regiam os contratos que poderiam ser
adquiridos, o que ademais delimitava determinados espaços de acumulação
fiscal-mercantil. Se escolhesse o Conselho da Fazenda, havia os contratos do reino
e
das ilhas atlânticas. Se recorresse à Junta dos Três Estados, haveria de regatear
os
contratos de fornecimento às tropas militares na península. Se tivesse cabedal
suficiente, poderia investir nos contratos do tabaco, gerido pela junta
correspondente. Por fim, havia os contratos da África e do Brasil sob supervisão
do
Conselho Ultramarino. Desta forma, pode-se dizer que nem todos os grandes
comerciantes portugueses procuravam os contratos deste último Conselho (Costa e Olival, 2005, pp. 326-327).
O gráfico 1 apresenta as redes contratuais estabelecidas entre os contratadores e
fiadores nas arrematações do Conselho Ultramarino entre 1671 e 1789. São
consideradas apenas as sociedades mercantis, sem se recorrer a outros indicadores
como os laços familiares, apadrinhamento ou pertencimento a instituições. Também
não
são considerados outros vínculos econômicos além das arrematações como relações
de
crédito, procurações, fretamento de navios etc. Assim, trata-se de um panorama
inicial e restrito. Mesmo com tais limites, pode-se observar que havia um corpo
principal de vínculos seguido por redes contratuais mais limitadas e pouco extensas
entre os agentes mercantis. No grupo principal de arrematantes e fiadores, havia
uma
grande centralização das relações mercantis, permitindo a concentração dos contratos
em um número bastante limitado de agentes. Como não foi possível averiguar a origem
da maioria destes contratadores, não é possível tirar conclusões acerca da
composição mais ou menos favorável aos comerciantes do reino em relação aos
existentes na América portuguesa.
GRÁFICO 1
REDES CONTRATUAIS DE ARREMATANTES E FIADORES NOS CONTRATOS LEILOADOS NO
CONSELHO ULTRAMARINO, 1671-1789
Visão geral
Corpo principal
Observação: São consideradas apenas as arrematações realizadas em
Lisboa. Quanto mais espessa a linha, maior o número de contratos arrematados
em conjunto pelos sócios.
Fontes: ver quadro 1.
Ademais, outros atenuantes contribuíram para tornar menos excludente a seleção dos
contratadores atuantes no ultramar. Em primeiro lugar, havia mudanças espaciais
ao
longo da carreira destes homens de negócio, que impedem uma divisão completamente
nítida entre os residentes em Lisboa e os moradores nas capitanias.15 Não era incomum que um homem de
negócio, saído pequeno ou jovem do reino e ainda caixeiro, fizesse fortuna no
ultramar e depois de algumas décadas retornasse à pátria mãe. Em segundo lugar,
havia aqueles comerciantes portugueses que, apesar de conservarem residência em
terras americanas depois de deixarem o reino, ainda mantiveram fortes vínculos
mercantis e familiares com os negociantes de Lisboa, articulando estratégias por
todo o império. No primeiro caso, há os exemplos de José Ferreira da Veiga, José
Bezerra Seixas e José Álvares de Mira, no segundo caso, os irmãos José e Domingos
Ferreira da Veiga. Nos parágrafos seguintes, serão investigados alguns destes
homens
de negócio.
Na capitania de São Paulo, enquanto vigorou o regime de arrematações em Lisboa entre
1726 e 1764 (com exceção do período de 1732 a 1737) podiam ser observadas três
possibilidades quanto ao destino do controle dos contratos: a arrematação por
homens
de negócio residentes no reino, pelos residentes em outras capitanias ou pelos
da
própria capitania paulista. O primeiro e segundo casos foram predominantes na
capitania, enquanto o terceiro parece ter sido bastante marginal, posto que limitado
à esfera local. Desde o final do século xvii, podiam ser observadas com
grande frequência as arrematações realizadas nas vilas pelos comerciantes paulistas.
O objeto da arrematação eram os estancos de aguardente da terra, comércio de carne
e
obras públicas, sendo abundantes os registros para São Paulo e Curitiba, por exemplo
(Blaj, 2002, p. 282; Negrão, 1924, 1906).
Após uma primeira listagem dos contratos arrematados no Conselho, a detecção da
origem dos contratadores foi averiguada a partir das informações contidas nas
inquirições dos processos de nobilitação para cavalheiro da Ordem de Cristo ou
para
familiar do Santo Ofício. Foram selecionados alguns arrematantes que participaram
como sócios ou fiadores em dez ou mais contratos, incluindo necessariamente algum
contrato paulista, ou que se destacaram pelo número de contratos relativos à
capitania. Com base nestes critérios foram selecionados 17 contratadores (ver
quadro 2). Uma vez que não foi possível
verificar a origem e a trajetória de vida de todos os contratadores e fiadores
envolvidos, os dados apresentados referem-se aos perfis mais completos.
O maior arrematante do período foi Pedro Gomes Moreira (c. 1714-1754), sócio em
quatro contratos da capitania de São Paulo entre 1747 e 1753, abrangendo os dízimos
da capitania e os subsídios dos molhados e novo imposto da praça de Santos. O
contrato da pesca da baleia, que incluía a capitania do Rio de Janeiro, foi
arrematado duas vezes por Pedro, porém na segunda vez não teve efeito devido à
sua
morte precoce. Nascido em Lisboa, fora ainda pequeno, com oito ou dez anos, para
o
Rio de Janeiro onde se encontrava seu pai. Em 1734, com apenas vinte anos, já
se
destacava como homem de negócio da capital fluminense. O pai, Tomé Gomes Moreira,
era natural de Lisboa e a mãe, Ana Josefa de Castro, do Rio de Janeiro. Segundo
inquirição realizada em 1736, Pedro atuava realizando negócios do Rio de Janeiro
para Minas Gerais. Morava junto com os pais e era casado havia pouco tempo. A
avaliação de sua fortuna é bastante diversa, possivelmente devido à inclusão do
legado paterno. Os valores abrangem de 2 400 000 réis, segundo o depoimento de
um
comerciante da cidade, a 8 000 000 réis, conforme ele próprio confessa. Em 1750,
obteve o hábito de familiar do Santo Ofício.16
O filho seguia com mais sucesso os passos do pai, que desde 1739 arrematara os
contratos dos dízimos do Rio de Janeiro por dois triênios (1739-1742 e 1742-1745),
os contratos da pesca da baleia do Rio de Janeiro, São Sebastião, Santos e São
Paulo
(1743-1748) e de Santa Catarina (1742-1750 e 1750-1754) (Araújo, 2008, p. 165). Ao total, entre 1738 e 1754, Pedro
arrematou nove contratos e foi fiador em onze contratos. Além do Rio de Janeiro,
atuou como sócio em São Paulo e Minas Gerais e como fiador em Minas Gerais, Bahia
e
Pernambuco. Possivelmente, os Gomes Moreira buscaram outras oportunidades de lucros
com os contratos de outras capitanias. À primeira vista, eles parecem ter sido
expulsos do negócio dos dízimos no Rio de Janeiro pela concorrência de grandes
contratadores, como João Francisco e Calixto Rodrigues Torres, que aparecem
respectivamente como sócio e fiador nos dois triênios seguintes. Contudo, a
concorrência no Rio de Janeiro não significava ausência de alianças em outras
localidades, pois Pedro Gomes Moreira era fiador de João Francisco no contrato
da
dízima da chancelaria (1748-1750) e na dízima da alfândega em navios soltos
(1751-1753), ambas na Bahia. João Francisco, por sua vez, era fiador de Pedro
nos
contratos do subsídio dos molhados de Santos (1747-1750) e da passagem do rio
das
Mortes em Minas Gerais (1753-1756).
QUADRO 2
PRINCIPAIS SÓCIOS E FIADORES DOS CONTRATOS DA CAPITANIA DE SÃO PAULO,
1723-1765
Sócios nos contratos
|
|
SP |
SP/RJ/SC |
RJ |
MG |
GO |
BA |
PA |
PB |
PE |
PE/PB |
PE/BA/RJ |
IT |
MA |
BR |
|
Agostinho Pinheiro
|
3
|
–
|
1
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
4
|
Gastão da Silva Oliveira
|
2
|
–
|
1
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
3
|
Manuel Carneiro Rangel
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
0
|
José da Costa Guimarães
|
2
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
2
|
Antônio Marques Gomes
|
3
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
3
|
Estevão da Silva Castelo Branco
|
1
|
–
|
3
|
–
|
1
|
1
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
6
|
José Bezerra Seixas
|
–
|
–
|
5
|
–
|
–
|
1
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
6
|
João Francisco
|
3
|
–
|
4
|
2
|
–
|
28
|
1
|
1
|
–
|
–
|
1
|
1
|
4
|
–
|
45
|
Manuel Cordeiro
|
2
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
2
|
Afonso Genabel
|
–
|
–
|
–
|
1
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
1
|
Pedro Gomes Moreira
|
4
|
2
|
2
|
1
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
9
|
Caetano do Couto Pereira
|
–
|
–
|
6
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
6
|
Calixto Rodrigues Torres
|
1
|
–
|
1
|
–
|
1
|
–
|
–
|
–
|
2
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
5
|
Claro Francisco Nogueira
|
3
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
3
|
João Luís de Oliveira
|
1
|
–
|
–
|
–
|
–
|
7
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
8
|
José Álvares de Mira
|
3
|
–
|
2
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
1
|
5
|
Fiadores nos contratos
|
|
SP |
SP/RJ/SC |
RJ |
MG |
GO |
BA |
PA |
PB |
PE |
PE/PB |
PE/BA/RJ |
IT |
MA |
SC |
BR |
|
Agostinho Pinheiro
|
–
|
–
|
1
|
3
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
4
|
Gastão da Silva Oliveira
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
0
|
Manuel Carneiro Rangel
|
2
|
–
|
1
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
3
|
José da Costa Guimarães
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
1
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
1
|
Antônio Marques Gomes
|
2
|
–
|
4
|
1
|
–
|
7
|
–
|
–
|
1
|
–
|
1
|
–
|
–
|
–
|
–
|
16
|
Estevão da Silva Castelo Branco
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
0
|
José Bezerra Seixas
|
3
|
–
|
6
|
–
|
3
|
3
|
–
|
–
|
–
|
–
|
1
|
–
|
–
|
–
|
–
|
16
|
João Francisco
|
3
|
–
|
1
|
9
|
2
|
1
|
–
|
3
|
–
|
–
|
–
|
2
|
1
|
1
|
–
|
23
|
Manuel Cordeiro
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
0
|
Afonso Genabel
|
2
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
2
|
Pedro Gomes Moreira
|
–
|
–
|
3
|
5
|
–
|
2
|
–
|
–
|
1
|
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
11
|
Caetano do Couto Pereira
|
3
|
2
|
10
|
–
|
–
|
2
|
–
|
–
|
1
|
1
|
–
|
–
|
–
|
–
|
1
|
19
|
Calixto Rodrigues Torres
|
–
|
–
|
7
|
–
|
1
|
1
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
9
|
Claro Francisco Nogueira
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
0
|
João Luís de Oliveira
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
2
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
2
|
José Álvares de Mira
|
1
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
–
|
1
|
Entre os grandes fiadores de contratos envolvendo a capitania de São Paulo,
encontram-se José Bezerra Seixas, Caetano do Couto Pereira e João Francisco, com
três contratos cada um. Este último, também participou como sócio em outros três
contratos da capitania. Apenas a respeito de José Bezerra Seixas (c.1713-1758)
foi
possível coligir informações nas habilitações para a Ordem de Cristo. Nasceu em
Lisboa, onde foi batizado em 1713. Seu pai, Manuel Bezerra Seixas, era natural
de
Viana e sua mãe, Josefa Maria dos Anjos, de Lisboa. José cresceu em Viana após
a
morte do pai ocorrida em 1714. Provinha de uma família mercantil enriquecida em
duas
gerações. O pai foi caixeiro, o avô materno pedreiro e a avó materna possuía loja
no
Terreiro do Paço. O pai depois evoluíra nas lides mercantis, alcançando o ofício
de
homem de negócio de grosso trato em Lisboa e servira como procurador geral da
mesa
dos homens de negócio da cidade. Tais impedimentos de ofício mecânico na família,
além da suspeita que recaía sobre o próprio José Bezerra Seixas, a de embarcar
com
fazendas alheias para o Brasil, contribuíram para a recusa inicial da Mesa de
Consciência e Ordens ao seu pedido de habilitação à Ordem de Cristo.
Seixas retornou à Lisboa em 1731, onde passou a negociar e sete anos depois já
figurava como homem de “grande crédito e grosso trato”. Constava que José Bezerra
Seixas havia, quando jovem, embarcado com fazendas para o Brasil. José Ferreira
da
Veiga, testemunha na inquirição de Seixas, afirmava tê-lo conhecido na Bahia,
onde,
vindo do Rio de Janeiro, fora comprar fazendas da nau da Índia em 1732, confirmando
a atuação de Seixas na colônia, antes mesmo de ter fixado residência em terras
americanas. Em 1738, arrematou o contrato do tabaco do Rio de Janeiro, onde foi
se
estabelecer, tendo antes passado alguns meses na Bahia na residência de um tio.
Mesmo morando no Rio, Seixas continuou a realizar viagens periódicas para Lisboa.
Na
capital fluminense, consta que residira na casa de Gaspar de Caldas Barbosa, homem
de negócio da praça. Havia boatos de que fora caixeiro de Gaspar.17 A partir do Rio de Janeiro, Seixas realizava
negócios em Minas Gerais, especialmente na comarca do Rio das Mortes, vendendo
fazendas e escravos provenientes do litoral. Seixas permaneceu no Rio de Janeiro
ao
menos até 1747, mas é possível que entre idas e vindas tenha residido novamente
em
Lisboa por pouco tempo no decorrer da década. Em 1753, Seixas aparece como morador
em Lisboa. O poderio do negociante é atestado pela participação como acionista
na
Companhia Geral do Grão-Pará, da qual possuía dez ações em 1758. Pelos privilégios
concedidos aos acionistas, a Mesa de Consciência e Ordens foi obrigada a conceder
a
Seixas o hábito da ordem de Cristo no mesmo ano, revogando, assim, os impedimentos
mecânicos da recusa anterior.18
Além do negócio dos contratos, Seixas adquiriu diversas serventias de ofícios entre
1753 e 1757 no Rio de Janeiro, Goiás e Minas Gerais: administrador dos guindastes
da
alfândega do Rio de Janeiro (1750, 1755), escrivão da câmara, almotaçaria e tabelião
de Angra dos Reis da Ilha Grande (1753), escrivão da Fazenda Real e matrícula
do Rio
de Janeiro (1753, 1757), tesoureiro dos defuntos e ausentes da comarca de Goiás
(1755), meirinho, guarda e porteiro da alfândega do Rio de Janeiro (1755),
inquiridor, contador e distribuidor de São João Del Rei (1757), escrivão das
execuções da Vila do Príncipe (1757) e escrivão da Conservatória da Casa da Moeda
do
Rio de Janeiro (1757) (Ribeiro, 2010, pp.
200-201). Certamente boa parte destes ofícios não foi ocupada pelo
próprio Seixas, mas por terceiros, por ele indicados, ou mesmo revendidos. Os
ofícios na alfândega e na Casa da Moeda fluminenses colocavam Seixas em contato
direto com informações essenciais sobre as finanças da capitania, a movimentação
geral das mercadorias e os fluxos do ouro e talvez informações sigilosas sobre
outros comerciantes. Em relação aos ofícios em Minas e Goiás, podem ter sido
revendidos a pessoas interessadas ou ter permitido o acesso a informações daquelas
localidades.
Mesmo a arrematação por contratadores alheios à capitania acabou por favorecer de
forma secundária o envolvimento dos homens de negócio paulistas no trato com as
questões do fisco. Fato invariavelmente observado nas empresas modernas, com a
separação entre gestão e propriedade, o fortalecimento dos contratadores reinóis
implicou a criação de cargos de administradores dos contratos nas capitanias,
que
envolviam membros das elites locais. O registro destes administradores não é tarefa
das mais fáceis, pois se tratava de matéria privada, ausente da correspondência
oficial dos governadores. Cabendo aos contratadores a sua escolha, conforme
prerrogativa dos seus contratos, pouco se sabe sobre as atividades e
responsabilidades destes administradores.
Alguns administradores depois figurariam como os próprios arrematantes dos contratos,
por ocasião do estabelecimento das Juntas da Fazenda nas capitanias. O futuro
contratador Manuel de Oliveira Cardoso, por exemplo, aparece como administrador
do
contrato dos meios direitos de Curitiba para o triênio de 1756 a 1759 e do contrato
dos dízimos no triênio de 1757 a 1760 em nome dos arrematantes Caetano Diogo
Parreira e Silva e Manuel Gil, respectivamente.19 Ser administrador permitia o aprendizado da cobrança
dos tributos, para muitos um passo importante para o domínio posterior do
negócio.
Outro caso menor envolvia Sebastião de Alvarenga Braga, fiador do contrato dos meios
direitos do registro de Curitiba no triênio 1765-1768. Ele aparece como
administrador do contrato da pesca da baleia, arrematado por Francisco Pereira
de
Sousa, durante o período de 1755 a 1757.20 Em 1765, Braga figura como comerciante em Santos, com
cabedal de 6 000 000 réis. A vila de Santos, aliás, parece ter sido um bom local
para a escolha dos administradores devido aos contatos frequentes com o reino.
Em
diferentes épocas, João Ferreira de Oliveira e Manuel Ângelo Figueira de Aguiar
ocuparam o posto de administradores do contrato da pesca das baleias. No censo
de
1765, não aparecem como comerciantes, mas “vivem dos seus negócios” e pertencem
à
elite da vila.21
Após 1755, haveria duas exceções ao predomínio dos contratadores sediados em Lisboa
nas arrematações da capitania de São Paulo. É possível que as perdas econômicas
decorrentes do terremoto de Lisboa, sobretudo as falências comerciais, tenham
atingido a continuidade dos homens de negócio nos contratos do Brasil, abrindo
oportunidades a alguns comerciantes das capitanias, que, por intermédio de seus
procuradores em Lisboa, conseguiram obter os contratos leiloados no Conselho
Ultramarino. Um indicador do declínio do Conselho antes mesmo da criação do Erário
Régio é a queda no número de contratos arrematados na década de 1750. Entre 1745
e
1749, foram arrematados 84 contratos, ápice atingido pelo Conselho até 1789. No
quinquênio seguinte, entre 1750 e 154, arremataram-se 67 contratos. Entre 1755
e
1759, foram a leilão 48 contratos, quase metade do primeiro período.
Em São Paulo, Claro Francisco Nogueira aparece como arrematante de dois contratos
do
subsídio dos molhados e novo imposto de Santos adquiridos em 1755 e 1763. O sócio
de
Claro Francisco neste último contrato foi João Luís de Oliveira, possivelmente
residente na Bahia, onde era arrematador de sete contratos e fiador em outros
dois
no período de 1763 a 1767. O outro contratador reinol residente na capitania
paulista era José Álvares de Mira, arrematante de quatro contratos das entradas
de
Minas Gerais (1733, 1736),22 do
contrato do estanco do sal do Estado do Brasil (1763), do subsídio dos molhados
e
novo imposto de Santos (1767) e dos dízimos da capitania paulista (1768). Também
arrematou dois contratos dos dízimos do Rio de Janeiro (1763 e 1768). Com exceção
dos contratos das entradas de Minas Gerais, arrematados na provedoria da fazenda
mineira, todos os contratos restantes foram leiloados no Conselho Ultramarino.
Os dois contratadores aparecem como arrematantes de diferentes contratos dos dízimos
para triênios sobrepostos. O contrato de José Álvares de Mira e sócios foi
arrematado em 1º de julho de 1763, compreendendo o triênio de 1º de agosto de
1763 a
31 de julho de 1766. O contrato de Claro Francisco Nogueira foi arrematado ao
final
do mesmo mês, em 28 de julho, e abrangia o período de 1º de agosto de 1764 a 31
de
julho de 1767. Não foi possível detectar, a partir da documentação consultada,
qual
dos contratos prevaleceu. A questão é ainda mais intrigante, pois o contrato dos
dízimos também passou a ser arrematado na capitania de São Paulo a partir de
1765.23 Porém, mesmo que os
contratos não tenham sido efetivados, é possível perceber que existiam dois grupos
concorrentes na disputa pelos contratos da capitania leiloados em Lisboa.
Claro Francisco Nogueira (1708-post.1765) era reinol natural da freguesia de São João
de Nogueira, termo de Viana, cujos pais e avós teriam origem na lavoura. Ao final
da
década de 1730, residia em Santos, onde ocupava o cargo de sargento-mor. Vivia
de
“negócio grande” e era alfabetizado. As estimativas quanto à sua fortuna ao final
da
década de 1730 divergiam entre 10 000 000 e 20 000 000 réis. É provável que tenha
perdido muito da sua riqueza, pois em 1765 sua esposa declarou apenas 1 600 000
réis
no recenseamento da vila de Santos. Nogueira conseguiu obter o hábito de familiar
do
Santo Ofício por volta de 1749.24
Por intermédio do seu casamento em Santos, as relações familiares de Claro Francisco
Nogueira aproximaram-no de mercadores, militares e administradores da praça. Na
vila
santista, casou-se em 1737 com Felícia de Araújo Bueno, de mãe natural da terra,
Mariana Bueno, e pai reinol também de Braga, Manuel Gonçalves de Araújo. Felícia
era
bisneta, por parte de mãe, do famoso Amador Bueno de Ribeira, que havia sido
capitão-mor e ouvidor da capitania de São Vicente, depois aclamado rei em São
Paulo
em 1641. O avô de Felícia, Manuel Lobo Franco, natural de Portugal obteve o governo
da terra em Santos. As primas de Felícia eram casadas com outros comerciantes
importantes de Santos. Maria Bueno casou-se com João Ferreira de Oliveira (1708-?),
sargento-mor que “vivia de seus negócios” com cabedal de 16 000 000 réis, o que
lhe
tornava o homem mais rico da vila em 1765. Sua outra prima, Mariana Rodrigues
Silva
casou-se com Francisco de Carvalho Silva (1717-?), que possuía loja de negócio
e
cabedal de 1 600 000 réis no mesmo ano. O irmão de Felícia Bueno, Bernardo, era
casado com Ana Francisca Leite, filha do Fernando Leite Guimarães (1711-?), que
seria mestre-de-campo e depois capitão de infantaria em Santos, com cabedal de
2 000
000 réis em 1765 (Leme, 1903, vol. 1, pp.
418-428; Sousa, 1922, vol. 3, pp. 9, 30,
33).
A prima em segundo grau de Felícia, Maria da Silva, casara-se com Gaspar Teixeira
de
Azevedo, que fora capitão-mor governador da capitania vicentina e designado provedor
dos quintos do ouro das minas de Paranaguá e Iguape. A filha de Gaspar e Maria
da
Silva, Catarina da Silva Teixeira, desposou Gaspar Leite César, um reinol natural
de
Santa Maria de Zerere que viria a ser comerciante na praça de Santos e familiar
do
Santo Ofício, além de sargento-mor da fortaleza de Itapema e membro da governança
da
vila (provavelmente um cargo na câmara). Outra filha de Gaspar e Maria da Silva,
com
o mesmo nome da mãe, casaria-se com Estevão Fernandes Carneiro, natural de Viana
do
Minho e homem de grande cabedal em Santos. Estevão seria designado provedor da
real
casa de fundição a ser criada na vila em 1704, mas que ficara apenas no projeto,
conservando-se a de São Paulo. Além do ramo dos Bueno Ribeira estabelecidos em
Santos, descendentes de Maria Bueno e de Isabel de Ribeira, havia aqueles com
vínculos no planalto, especialmente na cidade de São Paulo, aonde se juntariam
à
família Leme (Leme, 1903, vol. 1, pp.
418-428).
Por sua vez, José Álvares de Mira (1701-1770) também viera do norte de Portugal, da
freguesia de Santa Eulália do Cerdal, termo de Valença do Minho, tendo igualmente
pais e avós lavradores. Em 1739, aparece como homem de negócio residente na cidade
de São Paulo. Passara para o Brasil ainda rapaz, após ter morado em Lisboa. Na
colônia, ficara rico, vivendo “limpo e abastadamente” dos “lucros do seu negócio
e
contratos”. Constava que conduzia fazendas do Rio de Janeiro para Minas e tivera
uma
loja na região mineradora. Era também alfabetizado e estimava-se sua riqueza entre
16 000 000 e 28 000 000 réis na mesma época à de Claro Francisco Nogueira.
Apesar de Mira obter o hábito de familiar do Santo Ofício por volta de 1739, teve
dificuldades em conseguir a mercê da Ordem de Cristo por ter trabalhado pessoalmente
em sua loja estabelecida em Minas. Tentou conseguir dispensa pela oferta de dez
marinheiros para a Índia, mas a Mesa de Consciência e Ordens exigiu uma contribuição
maior. Assim como outros grandes comerciantes que fizeram fortuna no Brasil, a
exemplo de Manuel Bastos Viana, provavelmente retornou a Lisboa antes de 1748,
quando aparece como testemunha do processo de habilitação para a ordem de Cristo
de
José Bezerra Seixas.25 Jorge
Pedreira classifica Mira entre os cem grandes negociantes do período pombalino.
Segundo o autor, Mira participou em 17 contratos no valor de 428 000 000 réis
e era
sócio na Companhia Geral de Pernambuco, com doze ações, e na Companhia de Vinhas
do
Alto Douro (Pedreira, 1995, p. 165). Quando
Mira faleceu, em 1770, detinha várias propriedades luxuosas, casas de aluguel
e
lojas na capital portuguesa, além do contrato do sal de Lisboa e o do peixe seco
(Ellis, 1982, pp. 105-106).
Considerações finais
Conforme apontado, a partir de 1723, por intermédio do processo de arrematação de
contratos, houve o fortalecimento dos poderes centrais do império, tanto no plano
institucional com o Conselho Ultramarino, quanto dos negociantes reinóis envolvidos
na arrematação dos contratos. A atuação destes últimos não foi completamente
excludente, permitindo algum desenvolvimento das elites mercantis na América
portuguesa que possuíssem cabedal suficiente para manter procuradores em Lisboa.
No
caso de São Paulo, com raras exceções, não houve tal espaço, sendo seus contratos
adquiridos por homens de negócio de Lisboa e do Rio de Janeiro.
Do ponto de vista institucional, o fortalecimento do poder regional da capitania
paulista foi fragilizado pelas limitações da Provedoria da Fazenda no tocante
à
arrematação dos contratos. A partir de 1736, assiste-se à perda dos rendimentos
para
Goiás e Mato Grosso, à passagem definitiva dos leilões dos contratos para Lisboa
e à
extinção do governo próprio da capitania, subordinando-o ao Rio de Janeiro. Com
instituições e agentes enfraquecidos, ou mesmo anulados, apenas com a restauração
da
capitania haverá outra oportunidade para a consolidação de uma esfera regional
de
governo.
O declínio do Conselho Ultramarino, decorrente da redução do número de contratos
arrematados após o terremoto de Lisboa e da criação do Erário Régio, abalaria
completamente o sistema fiscal articulado no reinado anterior. Além da própria
reorganização da administração central da fiscalidade imperial, já não estaria
assegurada a continuidade dos negociantes do reino na hegemonia dos contratos.
Tal
movimento iria ainda afetar as câmaras em suas negociações fiscais com o rei ao
esvaziar o Conselho Utramarino, obrigando-as a buscar outros espaços de articulação.
A extinção das Provedorias da Fazenda em 1774 foi o último passo do longo desmonte
da arquitetura fiscal do reinado de dom João V. Aos olhos do governo mariano,
por
exemplo, nada sobrava de bom quanto a estas instituições, apenas uma memória
negativa sobre a “notória transgressão em que se constituíram a maior parte das
provedorias da minha Real Fazenda dos domínios ultramarinos e ilhas”.26