América Latina en la historia económica | Jan-Apr, 2018 | vol. 26, núm. 1 | pp. - | ISSN: 1405-2253 | eISSN: 2007-3496 |
DOI: 10.18232/alhe.944

O Conselho Ultramarino e a arrematação dos contratos da América portuguesa: o caso da capitania de São Paulo, 1723-1760


The Overseas Council and the Leasing of Tax Farming Contracts: The Case of the Captaincy of São Paulo, 1723-1760

Bruno Aidar1, ORCID: 0000-0003-1225-9469

[1] Universidade Federal de Alfenas, Minas Gerais, Brasil.
Correspondencia:

Resumen

Neste trabalho, busca-se indicar, pelo estudo de caso da capitania de São Paulo, como a jurisdição sobre a arrematação dos contratos representava um dos eixos principais na delimitação da arquitetura de poderes no império português na época de dom João V. Outro objetivo é analisar, pela perspectiva fiscal, como o governo do império era formado por configurações institucionais entre diversas camadas do poder local, regional e central, destacando-se este segundo espaço de poder sobre as formas de negociação e conflito na monarquia. A primeira seção aborda alguns aspectos econômicos da capitania de São Paulo. A segunda seção analisa o movimento pendular entre o Conselho Ultramarino e a Provedoria da Fazenda paulista quanto à jurisdição sobre os leilões de venda dos contratos da capitania. Na terceira seção, são apontadas as trajetórias de alguns contratadores vinculados à capitania.

Abstract

Through the example given by the captaincy of São Paulo, this paper aims to show how the authority to lease tax farming contracts was an essential axis in the architecture of powers of the Portuguese Empire in the age of the king João V. Another objective is to analyze, from the fiscal perspective, how the empire government was built on institutional configurations among varied layers of local, regional and central powers. In specially, we stressed the importance of the regional space of power to regulate negotiation and conflict in the monarchy. The first section points some economic issues of the captaincy of São Paulo. The second section investigates the swinging movement between the Overseas Council and the Treasury Office (Provedoria) in the captaincy regarding the authority to sell the captaincy’s tax farming contracts. The third section shows the careers of some tax farmers related to the captaincy.

Palabras Clave: fiscalidade, arrematação de contratos, capitania de São Paulo

Key Words: taxation, tax farming leasing, captaincy of São Paulo

Clasificación JEL: N46; N86; N9; N96.

Fecha de recibido: 26 de 12, 2017.
Fecha de aceptado: 1 de 6, 2018.


Introdução

Ao final do século xvii, a descoberta das minas auríferas no Estado do Brasil conduziu a um intenso reordenamento entre o centro e as partes do império, no qual a fiscalidade, em geral, e a arrematação de contratos de impostos, em particular, desempenharam um papel crucial na formação de novas dinâmicas e arranjos entre a coroa e seus vassalos reinóis e ultramarinos. Além do tema sensível da tributação, como se nota nos longos debates sobre o quinto e a capitação (Costa, 2013), havia a questão crucial sobre arrematar contratos no reino ou nas capitanias, privilegiar grupos mercantis de Lisboa ou das praças coloniais, representando um dos principais desafios enfrentados pelo governo de dom João V no reagrupamento de tendências político-econômicas centrífugas e centrípetas que percorriam o império.

As regiões adjacentes às minas auríferas também sofreram intensa reformulação em seu papel político, militar e econômico, tríade sem a qual é impossível compreender o surgimento de novas unidades de poder regional expressas pela criação das capitanias-gerais na primeira metade do século xviii. Nesse sentido, a capitania de São Paulo mostra-se como um caso exemplar das mutações imperiais do Centro-Sul brasileiro, desempenhando a fiscalidade papel central no reagrupamento dos poderes privados e estatais no plano regional e também imperial. Neste trabalho, busca-se indicar, pelo estudo da citada capitania, como a jurisdição sobre a arrematação dos contratos representava um dos eixos principais na delimitação da arquitetura de poderes no império português na época de dom João V, aprofundando estudos anteriores importantes, como o de Luiz Antônio Silva Araújo (Araújo, 2008). Outro objetivo é analisar, pela perspectiva fiscal, como o governo do império era formado por configurações institucionais entre diversas camadas do poder local, regional e central, destacando-se este segundo espaço de poder sobre as formas de negociação e conflito na monarquia.

A primeira seção aborda alguns aspectos econômicos da capitania de São Paulo na primeira metade do século xviii, substrato para o crescimento dos valores dos contratos de impostos. A segunda seção analisa o movimento pendular entre o Conselho Ultramarino e a Provedoria da Fazenda paulista quanto à jurisdição sobre os leilões de venda dos contratos da capitania. Nesta seção, buscou-se periodizar e quantificar corretamente a atuação do Conselho Ultramarino sobre os contratos, bem como apresentar os argumentos dos poderes regionais para a conservação das arrematações em São Paulo. Na terceira seção, são apontadas as trajetórias de alguns contratadores vinculados à capitania, notadamente homens de negócio das praças de Lisboa e do Rio de Janeiro. Por fim, são expostos dois casos de homens de negócio residentes em São Paulo que conseguiram algum espaço frente ao poderio de seus concorrentes.

Aspectos do crescimento econômico da capitania de São Paulo na primeira metade do século XVIII

A capitania de São Paulo e Minas do Ouro, criada em 9 de novembro de 1709, originou-se dos territórios das capitanias de São Vicente e as de Santo Amaro e Santana. Estas últimas foram compradas pela coroa portuguesa ao marquês de Cascais e conde de Monsanto, herdeiro de Pero Lopes de Sousa, seu donatário original. As contendas entre paulistas e emboadas foram a principal causa da criação da capitania. Em 1720, as regiões de São Paulo e Minas foram separadas em capitanias distintas e com governos próprios. No mesmo ano, foram incorporadas à nova capitania as vilas do litoral (Santos, Parati, Ubatuba e São Sebastião) que ainda permaneciam sob o governo do Rio de Janeiro. A existência de um governador próprio e a conservação de remessas fluminenses para a fortificação da praça seriam traços do caráter extraordinário da vila de Santos ao menos até o governo do morgado de Mateus (Ellis, 1975, pp. 148-154).

Além da própria região das Minas Gerais, a descoberta do ouro nas minas de Coxipó-Mirim, ponto inicial para Cuiabá, em 1718, e depois em Goiás, em 1725, transformaram a capitania de São Paulo em um centro distribuidor de mercadorias que unia o Atlântico, o Rio da Prata e o centro da América portuguesa. Como ocorria em outras partes da América portuguesa, o aumento do valor dos contratos da capitania de São Paulo estava vinculado ao crescimento da produção agrária e do comércio terrestre e marítimo, estimulado pela demanda de mercadorias e de escravos pelas minas auríferas. No caso paulista, o ouro das minas haveria de influir sobre as finanças da capitania de forma real, pela arrecadação do quinto de Goiás e Mato Grosso, mas também de maneira especulativa, favorecendo valores mais elevados para os contratos.

Boa parte da historiografia tem destacado a importância do impulso minerador sobre a dinâmica econômica da capitania. Plantava-se milho e feijão para as monções do Cuiabá, tangiam-se bois, cavalos e mulas dos campos meridionais para as Minas Gerais e o Rio de Janeiro, criavam-se porcos para a feitura do toucinho e de carne salgada, cultivava-se um pouco de fumo e arroz. Os mercadores do planalto lucravam com o envio de aguardente, azeite, sal, ferro, mulas, açúcar e vinho de São Paulo para Goiás. O comércio obtinha seus ganhos, tudo queria vender para as minas, sem se preocupar com a carestia que afetava os habitantes da capitania. O aumento dos preços indicava também algum consumo da própria capitania. Sob o estímulo dos fluxos comerciais no litoral e serra acima, houve o crescimento do número de homens de negócio habilitados para a aquisição dos contratos régios. Na cidade de São Paulo, as conexões dos negociantes, muitos deles reinóis, atingiam Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Rio Grande (Borrego, 2006, p. 101; Holanda, 1976, p. 109-119).

“Retaguarda das minas”, segundo a expressão de Mafalda Zemella, a bonança da capitania paulista foi maior nas primeiras décadas do século xviii. O impedimento dos caminhos adjacentes transformava São Paulo na principal porta de acesso à demanda das regiões auríferas, especialmente a rota do caminho velho que passava por Mogi das Cruzes, Taubaté, Guaratinguetá e a passagem do Hepacaré (atual Lorena) para desembocar em dois caminhos, um para Ribeirão do Carmo e Ouro Preto e outro para o Rio das Velhas. A Bahia estava proibida de comerciar com Minas Gerais, exceto nos negócios de gado, e o Rio de Janeiro encontrava-se destituído de um caminho direto com o núcleo urbano minerador até o início da década de 1730. Mesmo o trajeto fluminense por Parati acabava por confluir em Taubaté com o caminho velho paulista. Ainda depois da abertura do caminho novo, permitindo o acesso direto do Rio de Janeiro a Minas, São Paulo ainda manteve a primazia sobre o comércio com Goiás e Mato Grosso, além do negócio das tropas vindas do sul da colônia (Zemella, 1990, pp. 62-63, 115-117). A despeito dessa rivalidade entre o caminho antigo e o novo, apontada pela obra clássica de Zemella, pesquisas recentes, baseadas nos registros fiscais da Mantiqueira, apontam a articulação duradoura entre o sul de Minas, Rio de Janeiro e São Paulo da segunda metade do século xviii às décadas iniciais do século xix. Subiam às minas, sal, animais de transporte e escravos em troca de reses, porcos e tabaco, oriundos, em geral, das fazendas sul-mineiras. Também alguma aguardente paulista de diversas vilas de São Paulo era enviada até São João Del Rei (Carrara, 2007, pp. 132, 143).

O comércio marítimo pela vila de Santos também é um aspecto relevante para explicar o crescimento paulista no período. Por resolução régia de 20 de fevereiro de 1720, a vila de Santos passou a ter liberdade de comércio com os navios vindos do reino nas frotas do Rio de Janeiro. Segundo Zemella, a medida permitiu a entrada de escravos e de mercadorias europeias e asiáticas pelo porto rumo às minas (Zemella, 1990, pp. 62, 109). Entre 1739 e 1763, quinze embarcações saídas da frota fluminense, algumas delas corvetas e galeras pequenas, foram direcionadas ao porto de Santos. As naus retornavam pelo Rio de Janeiro no ano posterior à saída de Lisboa.1

Além do comércio ultramarino, também havia o transporte de mercadorias enviadas por homens de negócio da Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro para a praça de Santos, conforme se percebe pela questão da dupla tributação da dízima da alfândega no porto paulista. As embarcações não eram de grande porte, assim como as carregações, pois afirma, em 1736, o governador da praça de Santos: “ao porto desta vila não vêm embarcações de artilharia, somente sumacas, e barcos que navegam por esta costa transportando gêneros de fazendas secas, e comestíveis”.2

Outro tema pouco explorado relativo ao crescimento da capitania na primeira metade do século xviii refere-se ao tráfico de escravos. Enquanto no século xvii, a presença africana em São Paulo foi bastante esporádica, já ao início da centúria seguinte, observa-se uma demanda crescente por escravos africanos. Um alvará régio, elaborado em 1701, permitiu a entrada de 200 negros de Angola para a capitania paulista a partir do Rio de Janeiro. Em 1711, aprovou-se o compromisso da irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos na cidade de São Paulo, indicando o adensamento da população negra, ao menos na capital. Segundo John Monteiro, a demanda por escravos decorria tanto do incremento do tráfico negreiro para as minas, quanto do emprego da mão de obra escrava nas grandes propriedades rurais paulistas ao início do século xviii. A substituição da escravidão indígena pela africana processava-se de forma bastante incompleta, sendo realizada integralmente apenas ao final do século, com o advento da lavoura açucareira (Monteiro, 1994, pp. 220-226; Silva, 2009, pp. 75, 84).

Os inventários setecentistas revelam a presença crescente de escravos africanos. Os dados apresentados por John Monteiro permitem observar o aumento no número de escravos africanos e a redução dos índios nos inventários de São Paulo e Santana do Parnaíba entre 1710 e 1725 (Monteiro, 1994, pp. 222-223). Maria Aparecida Borrego, pesquisando os negociantes paulistanos entre 1725 e 1793, concluiu, a partir dos inventários, que boa parte dos escravos era proveniente das regiões de Benguela, Angola, Mina e Congo. Os proprietários possuíam plantéis de médio e grande porte (dez a 29 escravos), empregando os escravos em atividades urbanas e agrícolas. Eles também eram utilizados esporadicamente em obras públicas (Borrego, 2006, pp. 224-231).

A ascensão do Conselho Ultramarino nas finanças régias

Desde 1642, com exceção das questões eclesiásticas, sob responsabilidade da Mesa de Consciência e Ordens, o Conselho Ultramarino dispunha jurisdição total sobre os territórios ultramarinos, mormente sua administração fazendária.3 Antes, especialmente a partir da década de 1620, as matérias relativas à fiscalidade e à defesa do Brasil eram tratadas no próprio Conselho da Fazenda. Neste último, apenas seria mantida a jurisdição sobre as frotas para Índia e Brasil. Depois da criação do Conselho Ultramarino, as relações entre os dois conselhos foram bastante ambíguas, havendo tanto conflitos quanto associações. Logo ao seu início, a presidência do Conselho Ultramarino foi entregue ao marquês de Montalvão, Jorge de Mascarenhas, um dos vedores da fazenda do Conselho da Fazenda e responsável pela administração fazendária da Índia. A medida procurava reduzir os possíveis atritos entre as duas instituições. Não obstante estes conflitos, não era uma relação entre iguais. Em relação aos domínios, cabia ao Conselho da Fazenda operar sob as sombras do novo protagonista (Joyce Jr., 1974; Sousa, 1783-1791, vol. 4, p. 478).

A partir da década de 1660, a proeminência do Conselho Ultramarino sobre a administração do império alterava, ao menos no além-mar, o feitio equilibrado entre as jurisdições sinodais. O governo do ultramar não espelhava a fragmentação e a pulverização de forças que se esperava encontrar no reino. Em primeiro lugar, a criação do conselho afastou e delimitou outro circuito de atuação para os conselhos restantes da monarquia. Assim, o governo imperial a partir de Lisboa já não era polissinodal, mas vinculado a apenas um conselho, com a ressalva observada nas questões religiosas. Em segundo lugar, o exercício da própria jurisdição do conselho era uma força aglutinadora e centrípeta, que não se assemelhava muito ao modelo restrito de administração passiva, centrado na conservação da justiça. Enquanto este último paradigma vinculava-se à continuidade e ao restabelecimento constante de equilíbrios, o exercício de poder no ultramar fundava-se sobre situações de conflitos e rupturas. Ademais, os domínios não continham o peso da tradição e dos costumes que escoravam a conservação dos corpos políticos do reino. A plasticidade e precocidade dos privilégios ultramarinos tornavam mais dúctil o governo dos vassalos ultramarinos. Assim, a partir do modelo político inicial do reino originaram-se transformações que conduziam à hipertrofia do Conselho Ultramarino. Não obstante sua força, este processo ocorreu com vagar, percalços e resistências, sem atingir grande sucesso no período anterior ao segundo quartel do século xviii.

Embora o regimento do Conselho Ultramarino previsse a jurisdição sobre a administração da fazenda dos domínios, a ascensão do conselho sobre as finanças do além-mar foi longa e descontínua, arrastando-se por toda a segunda metade do século xvii e início do seguinte.4 Enquanto o conselho não tivesse controle sobre as finanças das câmaras e a arrematação dos contratos, a supervisão sobre a Real Fazenda exercia-se de forma pouco sistemática, não abarcando todos os tributos. Restava o controle sobre as rendas e despesas geridas pelas provedorias, tarefa difícil quando vários contratos eram arrematados no ultramar e havia a intermediação do governo-geral no cargo do provedor-mor.5

Como já apontou Laura de Mello e Souza, somente nas primeiras décadas dos setecentos é que se percebe uma visão integrada das diversas partes da América portuguesa, gestada na alta burocracia régia, face aos desafios externos e internos ao império (Souza, 2006, pp. 107-108). Uma concepção mais integrada do funcionamento da fiscalidade imperial e a busca de mecanismos mais eficazes de controle também tendem a tomar corpo apenas no século xviii. Simultaneamente ao processo de transferência de diversos tributos das câmaras para as Provedorias da Real Fazenda, assiste-se ao maior grau de intervenção do Conselho Ultramarino sobre as arrematações dos contratos.

Neste sentido, devido à descoberta das minas auríferas, o final do século xvii representou uma mutação quantitativa no volume de remessas do Brasil para o Conselho da Fazenda e o Conselho Ultramarino. Entre 1682 e 1688, as remessas equivaliam a 640 000 réis por ano. A partir de 1688, este montante eleva-se a 8 528 000 réis por ano e alcança 12 177 000 réis entre 1694 e 1700. As transformações no volume de recursos exigiam outras medidas destinadas ao ordenamento e controle dos contratos régios (Rau e Silva, 1956, v. 1, pp. 457-458).

A formação de conluios entre oficiais régios e contratadores, inutilmente proibida pela coroa, também favoreceria a centralização das arrematações no Conselho Ultramarino a partir de 1723. Naturalmente, contribuíam para tal desfecho os interesses dos mercadores reinóis, em busca de ganhos fiscais na economia vitalizada pela mineração. Com esta medida, as Provedorias da Fazenda nas capitanias tornar-se-iam meras caixas da Real Fazenda, sem controle sobre o leilão dos contratos. Anteriormente, as arrematações ocorriam por meio das provedorias de cada capitania sob a supervisão da Provedoria-Mor, sediada em Salvador. Os contratos eram divididos por capitanias, caso dos dízimos e da pesca da baleia, visando-se, desta forma, à obtenção de preços mais elevados na venda aos arrematantes. Os dízimos, por exemplo, inicialmente formaram um contrato unificado do Estado do Brasil, sendo depois desmembrados em diversos contratos (Dias, 2010, pp. 98-99; Lyra, 1970, pp. 45-46).

A partir da decisão régia de 1723 os contratos deveriam ser arrematados por três anos em Lisboa, fato que fortalecia tanto a administração central do império, o Conselho Ultramarino, quanto os negociantes reinóis, conforme apontou a interpretação consistente de Luiz Antônio Silva Araújo (Araújo, 2008).6 Ainda assim, era possível aos membros das elites coloniais o recurso às procurações para participarem dos leilões, quando não pudessem estar presentes. Por motivos ainda pouco claros, retornou-se ao final de 1731 para o sistema anterior, deixando-se a cargo das autoridades nas capitanias (governadores, provedores da fazenda, ouvidores e procuradores da fazenda) a feitura das arrematações que deveriam ocorrer “sem dolos, nem conluios”.7

Novamente, ao início de 1736, por decisão pensada no Conselho Ultramarino, as arrematações retornaram a Lisboa. Nas capitanias, os provedores deveriam notificar com editais as arrematações futuras. A medida foi tão súbita que nem se esperou o término de vários contratos, ordenando-se a arrematação provisória por apenas um ano. Também houve resistências por parte dos provedores, que continuaram a realizar as arrematações nas capitanias, prática a ser penalizada com a perda do ofício, conforme se depreende de uma reprimenda de dom João V.8 Assim, parece correto destacar que a ascensão do Conselho Ultramarino sobre a arrematação dos contratos dos domínios foi lenta até 1722 e errática entre 1723 e 1735, estando completamente assegurada apenas no período de 1736 a 1761.

O quadro 1 apresenta as principais diferenças na evolução dos contratos arrematados pelo Conselho Ultramarino entre 1671 e 1789 de acordo com os períodos nos quais as arrematações procederam em Lisboa ou nos domínios. A única exceção é o período entre 1751 e 1761, que não seguiu tal critério, pois se desejava avaliar a evolução dos contratos após o fim da capitação, também ápice da arrecadação aurífera em Minas Gerais, e antes da criação do Erário Régio. Ademais, esta divisão impede uma distorção muito grande nos resultados por concentrar um número muito elevado de contratos de tributos em apenas um período.

A distribuição dos contratos, tanto em seu número, quanto pelos valores acumulados, indica a concentração das arrematações entre 1737 e 1761, quando foram leiloados 67% dos contratos, o que representa 66% do valor total de todos os contratos arrematados entre 1671 e 1789. Também foram as épocas que indicaram a maior média anual quanto aos valores dos contratos. Em seguida, há o período de 1723 a 1731, quando foram vendidos 18% de todos os contratos (17% do valor total), além de ter sido o terceiro melhor desempenho da média anual do valor total dos contratos.

QUADRO 1

CONTRATOS ARREMATADOS NO CONSELHO ULTRAMARINO, 1671-1789

Período Período (anos) Número de contratos Contratos ilegíveis Valor total dos contratos (em réis) Média de contratos ao ano Média anual do valor total (em réis) Valor médio por contrato (em réis)
1671-1722 52 26 6 1 476 163 000 0.5 28 387 750 73 808 150
1723-1731 9 89 2 6 000 780 000 9.9 666 753 333 68 974 483
1732-1736 5 7 0 1 271 312 000 1.4 254 262 400 181 616 000
1737-1750 14 223 19 15 239 357 196 2.5 1 088 525 514 74 702 731
1751-1761 11 109 6 8 331 437 000 9.9 757 403 364 80 887 738
1762-1789 28 39 3 3 452 970 780 1.4 123 320 385 95 915 855
Total 119 493 36 35 772 019 976 3.8 300 605 210 78 275 755
Distribuição Variação quanto ao período anterior
Número de contratos (porcentagem) Valor dos contratos (porcentagem) Média dos contratos (porcentagem) Média anual (porcentagem) Valor médio dos contratos (porcentagem)
1671-1722 5 4
1723-1731 18 17 1880 2249 -7
1732-1736 1 4 -86 -62 163
1737-1750 45 43 79 328 -59
1751-1761 22 23 296 -30 8
1762-1789 8 10 -86 -84 19

[i] Notas: a) A fonte principal utilizada foram os Livros de assentos e fianças, complementando-se com alguns contratos que constavam apenas nos Livros de termos. Não foram incluídos os contratos após 1790, pois não há a série completa dos dados. b) Estão inclusos os contratos africanos, mas não foram incluídos os contratos dos diamantes, ausentes na documentação consultada. c) Os valores não foram deflacionados e as médias não incluem os contratos ilegíveis. d) Adotou-se a data da arrematação e não a do início do contrato para a divisão dos contratos. e) Os preços dos contratos em pesos de ouro foram convertidos para réis segundo os critérios adotados em Carrara (2007, pp. 72-74).

[ii] Fontes: Livros de termos de arrematação de contratos reais do Conselho Ultramarino, 1744-1792, 2 vols. ahu, Conselho Ultramarino, códices 215-216, e Livros de assentos e fianças dos contratos reais do Conselho Ultramarino, 1671-1790, 4 vols. ahu, Conselho Ultramarino, códices 219-222.

As médias permitem perceber a velocidade com a qual os contratos eram vendidos, porém não é ponderada pelos valores nominais dos contratos. Os períodos de 1723 a 1731 e de 1751 a 1761 apresentaram uma média bastante elevada, com quase dez contratos arrematados anualmente. Em compensação, houve períodos de baixo dinamismo entre 1732 e 1750 e após 1761 (1.4-2.5 contratos ao ano), incomparáveis, ainda assim, com a morosidade anterior a 1723 (0.5 contrato ao ano). O valor médio dos contratos seria um bom indicador se fosse possível deflacionar os dados, porém uma avaliação justa acaba sendo prejudicada pelos valores nominais.

De modo geral, as cifras obtidas apontam a vitalidade do Conselho Ultramarino, sobretudo entre 1738 e 1755, mesmo após a criação da Secretaria da Marinha e Domínios Ultramarinos em 1736. Ao menos no tocante à fiscalidade imperial, o conselho continuava a ser a principal instituição de articulação e controle dos domínios.

Em relação à arrematação dos contratos da capitania de São Paulo, pode-se considerar que a incorporação ao Conselho Ultramarino só ocorreu completamente a partir de 1738. Entre 1726 e 1731, apenas nove contratos da capitania foram arrematados em Lisboa: o subsídio das aguardentes de Santos (1726 e 1727), os dízimos de Santos e São Paulo (1726, 1728 e 1730), os dízimos das minas de Cuiabá (1726), as passagens de São Paulo para as minas de Cuiabá (1727 e 1731) e o estanco da pesca da baleia (1729). O montante dos valores pagos aos contratos totalizara 89 505 000 réis. O reinício das arrematações dos contratos de São Paulo em Lisboa ocorreria somente em 1738, um ano depois da promulgação da ordem régia. Entre 1738 e 1748, ano de extinção da capitania, foram arrematados 21 contratos, que totalizaram 631 135 829 réis. Tal montante representava o sétuplo do valor acumulado entre 1726 e 1731. A média anual dos valores acumulados de 1738 a 1748 equivalia a 2.8 vezes a média para o período de 1726 a 1731. Considerando-se o valor médio por contrato para cada período, percebe-se que, no segundo momento, os contratos valiam o dobro do primeiro. Tais dados indicam que houve tanto um crescimento do montante anual arrematado, quanto dos valores dos contratos, em que pese a inflação no período.9

É interessante notar as razões pelas quais não ocorreu uma incorporação de todos os contratos ao Conselho entre 1723 e 1731. A primeira das resistências adveio do próprio atraso do Conselho, o que acabou sendo uma escusa para os defensores das arrematações em São Paulo. Até meados de 1724, o provedor da fazenda ainda não havia recebido as ordens necessárias para a arrematação dos contratos em Lisboa, sendo que vários deles já estavam findando e, caso não fossem arrematados logo, causariam grande prejuízo à Real Fazenda pela descontinuidade na arrecadação. O governador Rodrigo César de Meneses e o provedor da fazenda opunham-se aos leilões em Lisboa, pois nenhum dos interessados nos contratos e residentes na capitania possuía fiadores na corte. Tampouco se acreditava que houvesse algum negociante no reino interessado nos contratos da capitania devido à grande distância para se efetuar a cobrança, crença que depois se provou completamente infundada. Ademais, como argumentava Meneses em carta ao rei escrita em 1725, era vantajoso arrematar os contratos aos habitantes da capitania, que eram pessoas com conhecimento suficiente das terras e do seu rendimento, ao contrário do que ocorria com os naturais do reino.

Pouco tempo depois, Meneses escrevia novamente ao rei informando a realização de uma junta extraordinária com os oficiais da fazenda (o provedor da fazenda) e justiça (o procurador da coroa e fazenda e o juiz de fora, pois, o ouvidor-geral estava ausente), além dos governadores (o próprio Meneses e o governador da praça de Santos). Como não havia interessados na capitania de São Paulo em arrematar os contratos paulistas em Lisboa, com início em abril de 1725, acreditavam ser mais conveniente proceder-se à arrematação na própria capitania, pois não poderiam ficar sem arrecadação até a resolução régia. Desta forma, leiloaram-se em São Paulo os contratos dos dízimos de Santos e São Paulo, os dízimos das minas de Cuiabá e as passagens dos rios Pacaré e Jacareí.10 A resposta de dom João V e dos membros do Conselho Ultramarino à decisão tomada pela junta indica a anuência régia por conta do aumento dos contratos e pela crença de que esses sempre deveriam ser arrematados, e nunca correr por administração direta da coroa. Porém, no triênio seguinte, quando não ocorressem tais atrasos, não haveria como furtar-se às arrematações em Lisboa.11

Ainda em relação a estas arrematações realizadas em 1725, duas observações de Rodrigo César de Meneses indicam o interesse de membros da elite da capitania na continuidade dos leilões na capitania. A primeira refere-se ao crescimento do valor do contrato dos dízimos de Santos e São Paulo em quase 8 000 000 réis (32 400 000 réis pelo contrato em 1725, 24 500 000 réis pelo anterior). O governador notava que o contrato “subira a tanto por piques [disputas] que houve entre os lançadores”, indicando que já havia algum envolvimento das elites locais, possivelmente mercantis, no negócio dos contratos, bem como havia concorrência entre seus membros. A segunda observação referia-se às desvantagens que os contratadores paulistas teriam com a transferência das arrematações para Lisboa, além da necessidade de fiadores, pois “ainda que mand[assem] lançar pelos seus procuradores [seria] com preço certo e limitado que eles não pode[riam] exceder”.12

Portanto, a mudança trazia condições desiguais de concorrência entre os contratadores residentes na colônia frente aos negociantes reinóis. Diversamente das primeiras advertências à decisão da junta convocada por Meneses no ano anterior, a resposta régia foi seca e resoluta: as arrematações seriam realizadas definitivamente em Lisboa, pois mostrava a experiência “que muitos contratos das conquistas t[inham] crescido muito as suas arrematações nesta Corte”. Ao governador caberia apenas enviar as condições anteriores dos contratos para se proceder aos leilões em Lisboa.13

No caso de Minas Gerais, Sofia Antezana também identificou resistências por parte do governador da capitania Lourenço de Almeida em realizar as arrematações em Lisboa durante a década de 1720. Na interpretação da autora, a transferência acarretaria o rompimento das redes clientelares estabelecidas pelos governadores, que envolviam o provedor da fazenda e os contratadores. A mudança das arrematações para Lisboa reduziria “o envolvimento dos governadores e demais ministros nas arrematações dos contratos”, evitando a formação de conluios nos leilões (Antezana, 2006, pp. 85-86, 145).

Certamente, as resistências na capitania mineira foram maiores do que em São Paulo, pois apenas os contratos dos dízimos de Minas, divididos em três comarcas, foram arrematados pelo Conselho Ultramarino em 1727 e 1730. Por outro lado, deve-se considerar de igual importância das redes tecidas entre os negociantes reinóis e o Conselho Ultramarino, que muitas vezes se contrapunham àquelas existentes nas capitanias. Outro aspecto a considerar, porém ainda pouco estudado, refere-se às disputas pelas propinas dos contratos entre os membros do Conselho Ultramarino e os oficiais régios da fazenda das capitanias, além do próprio governador.

Em 1726 e 1727, foram realizadas as primeiras arrematações em Lisboa dos contratos da capitania de São Paulo. Havia ainda uma pequena brecha permitida pela voracidade do Conselho. Contratos de pequena monta, como os das passagens, poderiam ser leiloados na capitania de São Paulo, caso não houvesse lances em Lisboa. Tal situação ocorreu em 1729 com o contrato das entradas das minas de Paranapanema, que não atraíra arrematantes no Conselho pela redução da produção aurífera, tendo “já desertado a maior parte da gente”. No mesmo ano, o contrato da passagem dos rios Atibaia, Jaguari, Mogi, Pardo e Sapucaí, todos no caminho para as minas de Goiás, também foi arrematado na própria capitania, medida tomada pelo governador e o provedor da fazenda, posteriormente aquiescida pelo rei.14

Se antes havia titubeios quanto aos rumos dos contratos, o período de 1738 a 1765 marca o declínio efetivo das arrematações pela Provedoria da Fazenda e da participação de membros da incipiente elite paulista nos leilões. Porém, quando se consideram apenas os valores dos contratos, não se pode falar em decadência por parte do Conselho Ultramarino e dos mercadores reinóis. Pelo contrário. Como já se apontou anteriormente, o período de 1738 a 1748 foi mais promissor do que o período de 1726 a 1731. Mesmo após a extinção da capitania, a média anual dos contratos arrematados no Conselho entre 1748 e 1765 manteve-se regular, 6% acima da média do período anterior. Levando-se em consideração somente os contratos, caberia pensar mais em estagnação da capitania do que exatamente declínio.

Origem e trajetória de alguns contratadores: o caso da capitania de São Paulo

A partir de 1723, ao lado da centralização dos contratos em Lisboa, fortalecendo o Conselho, é preciso averiguar o quanto a medida vinculou-se ao fortalecimento exclusivo dos negociantes da capital imperial. Como indicado anteriormente, havia brechas que poderiam ser exploradas pelos homens de negócio atuantes nas capitanias. Em tese, bastava possuir um procurador em Lisboa para poder competir com os comerciantes residentes no reino.

Ademais, na primeira metade do século xviii, a amplitude dos investimentos possíveis aos grandes negociantes portugueses, e alguns estrangeiros, residentes no reino também contribuía para atenuar o caráter hegemônico reinol que o sistema de contratos poderia adquirir. Além do comércio marítimo, dos seguros e fretes ou do comércio de dinheiro e letras de câmbio, por exemplo, os grandes negociantes portugueses, e alguns estrangeiros, residentes no reino possuíam uma ampla carteira de aplicações vinculadas à fiscalidade régia para se aventurarem. Esta escolha dependia da jurisdição das instituições que regiam os contratos que poderiam ser adquiridos, o que ademais delimitava determinados espaços de acumulação fiscal-mercantil. Se escolhesse o Conselho da Fazenda, havia os contratos do reino e das ilhas atlânticas. Se recorresse à Junta dos Três Estados, haveria de regatear os contratos de fornecimento às tropas militares na península. Se tivesse cabedal suficiente, poderia investir nos contratos do tabaco, gerido pela junta correspondente. Por fim, havia os contratos da África e do Brasil sob supervisão do Conselho Ultramarino. Desta forma, pode-se dizer que nem todos os grandes comerciantes portugueses procuravam os contratos deste último Conselho (Costa e Olival, 2005, pp. 326-327).

O gráfico 1 apresenta as redes contratuais estabelecidas entre os contratadores e fiadores nas arrematações do Conselho Ultramarino entre 1671 e 1789. São consideradas apenas as sociedades mercantis, sem se recorrer a outros indicadores como os laços familiares, apadrinhamento ou pertencimento a instituições. Também não são considerados outros vínculos econômicos além das arrematações como relações de crédito, procurações, fretamento de navios etc. Assim, trata-se de um panorama inicial e restrito. Mesmo com tais limites, pode-se observar que havia um corpo principal de vínculos seguido por redes contratuais mais limitadas e pouco extensas entre os agentes mercantis. No grupo principal de arrematantes e fiadores, havia uma grande centralização das relações mercantis, permitindo a concentração dos contratos em um número bastante limitado de agentes. Como não foi possível averiguar a origem da maioria destes contratadores, não é possível tirar conclusões acerca da composição mais ou menos favorável aos comerciantes do reino em relação aos existentes na América portuguesa.

GRÁFICO 1

REDES CONTRATUAIS DE ARREMATANTES E FIADORES NOS CONTRATOS LEILOADOS NO CONSELHO ULTRAMARINO, 1671-1789

Visão geral

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Corpo principal

grafico.jpg

Observação: São consideradas apenas as arrematações realizadas em Lisboa. Quanto mais espessa a linha, maior o número de contratos arrematados em conjunto pelos sócios.

Fontes: ver quadro 1.

Ademais, outros atenuantes contribuíram para tornar menos excludente a seleção dos contratadores atuantes no ultramar. Em primeiro lugar, havia mudanças espaciais ao longo da carreira destes homens de negócio, que impedem uma divisão completamente nítida entre os residentes em Lisboa e os moradores nas capitanias.15 Não era incomum que um homem de negócio, saído pequeno ou jovem do reino e ainda caixeiro, fizesse fortuna no ultramar e depois de algumas décadas retornasse à pátria mãe. Em segundo lugar, havia aqueles comerciantes portugueses que, apesar de conservarem residência em terras americanas depois de deixarem o reino, ainda mantiveram fortes vínculos mercantis e familiares com os negociantes de Lisboa, articulando estratégias por todo o império. No primeiro caso, há os exemplos de José Ferreira da Veiga, José Bezerra Seixas e José Álvares de Mira, no segundo caso, os irmãos José e Domingos Ferreira da Veiga. Nos parágrafos seguintes, serão investigados alguns destes homens de negócio.

Na capitania de São Paulo, enquanto vigorou o regime de arrematações em Lisboa entre 1726 e 1764 (com exceção do período de 1732 a 1737) podiam ser observadas três possibilidades quanto ao destino do controle dos contratos: a arrematação por homens de negócio residentes no reino, pelos residentes em outras capitanias ou pelos da própria capitania paulista. O primeiro e segundo casos foram predominantes na capitania, enquanto o terceiro parece ter sido bastante marginal, posto que limitado à esfera local. Desde o final do século xvii, podiam ser observadas com grande frequência as arrematações realizadas nas vilas pelos comerciantes paulistas. O objeto da arrematação eram os estancos de aguardente da terra, comércio de carne e obras públicas, sendo abundantes os registros para São Paulo e Curitiba, por exemplo (Blaj, 2002, p. 282; Negrão, 1924, 1906).

Após uma primeira listagem dos contratos arrematados no Conselho, a detecção da origem dos contratadores foi averiguada a partir das informações contidas nas inquirições dos processos de nobilitação para cavalheiro da Ordem de Cristo ou para familiar do Santo Ofício. Foram selecionados alguns arrematantes que participaram como sócios ou fiadores em dez ou mais contratos, incluindo necessariamente algum contrato paulista, ou que se destacaram pelo número de contratos relativos à capitania. Com base nestes critérios foram selecionados 17 contratadores (ver quadro 2). Uma vez que não foi possível verificar a origem e a trajetória de vida de todos os contratadores e fiadores envolvidos, os dados apresentados referem-se aos perfis mais completos.

O maior arrematante do período foi Pedro Gomes Moreira (c. 1714-1754), sócio em quatro contratos da capitania de São Paulo entre 1747 e 1753, abrangendo os dízimos da capitania e os subsídios dos molhados e novo imposto da praça de Santos. O contrato da pesca da baleia, que incluía a capitania do Rio de Janeiro, foi arrematado duas vezes por Pedro, porém na segunda vez não teve efeito devido à sua morte precoce. Nascido em Lisboa, fora ainda pequeno, com oito ou dez anos, para o Rio de Janeiro onde se encontrava seu pai. Em 1734, com apenas vinte anos, já se destacava como homem de negócio da capital fluminense. O pai, Tomé Gomes Moreira, era natural de Lisboa e a mãe, Ana Josefa de Castro, do Rio de Janeiro. Segundo inquirição realizada em 1736, Pedro atuava realizando negócios do Rio de Janeiro para Minas Gerais. Morava junto com os pais e era casado havia pouco tempo. A avaliação de sua fortuna é bastante diversa, possivelmente devido à inclusão do legado paterno. Os valores abrangem de 2 400 000 réis, segundo o depoimento de um comerciante da cidade, a 8 000 000 réis, conforme ele próprio confessa. Em 1750, obteve o hábito de familiar do Santo Ofício.16

O filho seguia com mais sucesso os passos do pai, que desde 1739 arrematara os contratos dos dízimos do Rio de Janeiro por dois triênios (1739-1742 e 1742-1745), os contratos da pesca da baleia do Rio de Janeiro, São Sebastião, Santos e São Paulo (1743-1748) e de Santa Catarina (1742-1750 e 1750-1754) (Araújo, 2008, p. 165). Ao total, entre 1738 e 1754, Pedro arrematou nove contratos e foi fiador em onze contratos. Além do Rio de Janeiro, atuou como sócio em São Paulo e Minas Gerais e como fiador em Minas Gerais, Bahia e Pernambuco. Possivelmente, os Gomes Moreira buscaram outras oportunidades de lucros com os contratos de outras capitanias. À primeira vista, eles parecem ter sido expulsos do negócio dos dízimos no Rio de Janeiro pela concorrência de grandes contratadores, como João Francisco e Calixto Rodrigues Torres, que aparecem respectivamente como sócio e fiador nos dois triênios seguintes. Contudo, a concorrência no Rio de Janeiro não significava ausência de alianças em outras localidades, pois Pedro Gomes Moreira era fiador de João Francisco no contrato da dízima da chancelaria (1748-1750) e na dízima da alfândega em navios soltos (1751-1753), ambas na Bahia. João Francisco, por sua vez, era fiador de Pedro nos contratos do subsídio dos molhados de Santos (1747-1750) e da passagem do rio das Mortes em Minas Gerais (1753-1756).

QUADRO 2

PRINCIPAIS SÓCIOS E FIADORES DOS CONTRATOS DA CAPITANIA DE SÃO PAULO, 1723-1765

Sócios nos contratos
SP SP/RJ/SC RJ MG GO BA PA PB PE PE/PB PE/BA/RJ IT MA BR
Agostinho Pinheiro 3 1 4
Gastão da Silva Oliveira 2 1 3
Manuel Carneiro Rangel 0
José da Costa Guimarães 2 2
Antônio Marques Gomes 3 3
Estevão da Silva Castelo Branco 1 3 1 1 6
José Bezerra Seixas 5 1 6
João Francisco 3 4 2 28 1 1 1 1 4 45
Manuel Cordeiro 2 2
Afonso Genabel 1 1
Pedro Gomes Moreira 4 2 2 1 9
Caetano do Couto Pereira 6 6
Calixto Rodrigues Torres 1 1 1 2 5
Claro Francisco Nogueira 3 3
João Luís de Oliveira 1 7 8
José Álvares de Mira 3 2 1 5
Fiadores nos contratos
SP SP/RJ/SC RJ MG GO BA PA PB PE PE/PB PE/BA/RJ IT MA SC BR
Agostinho Pinheiro 1 3 4
Gastão da Silva Oliveira 0
Manuel Carneiro Rangel 2 1 3
José da Costa Guimarães 1 1
Antônio Marques Gomes 2 4 1 7 1 1 16
Estevão da Silva Castelo Branco 0
José Bezerra Seixas 3 6 3 3 1 16
João Francisco 3 1 9 2 1 3 2 1 1 23
Manuel Cordeiro 0
Afonso Genabel 2 2
Pedro Gomes Moreira 3 5 2 1 11
Caetano do Couto Pereira 3 2 10 2 1 1 1 19
Calixto Rodrigues Torres 7 1 1 9
Claro Francisco Nogueira 0
João Luís de Oliveira 2 2
José Álvares de Mira 1 1

[i] Fontes: ver quadro 1.

Entre os grandes fiadores de contratos envolvendo a capitania de São Paulo, encontram-se José Bezerra Seixas, Caetano do Couto Pereira e João Francisco, com três contratos cada um. Este último, também participou como sócio em outros três contratos da capitania. Apenas a respeito de José Bezerra Seixas (c.1713-1758) foi possível coligir informações nas habilitações para a Ordem de Cristo. Nasceu em Lisboa, onde foi batizado em 1713. Seu pai, Manuel Bezerra Seixas, era natural de Viana e sua mãe, Josefa Maria dos Anjos, de Lisboa. José cresceu em Viana após a morte do pai ocorrida em 1714. Provinha de uma família mercantil enriquecida em duas gerações. O pai foi caixeiro, o avô materno pedreiro e a avó materna possuía loja no Terreiro do Paço. O pai depois evoluíra nas lides mercantis, alcançando o ofício de homem de negócio de grosso trato em Lisboa e servira como procurador geral da mesa dos homens de negócio da cidade. Tais impedimentos de ofício mecânico na família, além da suspeita que recaía sobre o próprio José Bezerra Seixas, a de embarcar com fazendas alheias para o Brasil, contribuíram para a recusa inicial da Mesa de Consciência e Ordens ao seu pedido de habilitação à Ordem de Cristo.

Seixas retornou à Lisboa em 1731, onde passou a negociar e sete anos depois já figurava como homem de “grande crédito e grosso trato”. Constava que José Bezerra Seixas havia, quando jovem, embarcado com fazendas para o Brasil. José Ferreira da Veiga, testemunha na inquirição de Seixas, afirmava tê-lo conhecido na Bahia, onde, vindo do Rio de Janeiro, fora comprar fazendas da nau da Índia em 1732, confirmando a atuação de Seixas na colônia, antes mesmo de ter fixado residência em terras americanas. Em 1738, arrematou o contrato do tabaco do Rio de Janeiro, onde foi se estabelecer, tendo antes passado alguns meses na Bahia na residência de um tio. Mesmo morando no Rio, Seixas continuou a realizar viagens periódicas para Lisboa. Na capital fluminense, consta que residira na casa de Gaspar de Caldas Barbosa, homem de negócio da praça. Havia boatos de que fora caixeiro de Gaspar.17 A partir do Rio de Janeiro, Seixas realizava negócios em Minas Gerais, especialmente na comarca do Rio das Mortes, vendendo fazendas e escravos provenientes do litoral. Seixas permaneceu no Rio de Janeiro ao menos até 1747, mas é possível que entre idas e vindas tenha residido novamente em Lisboa por pouco tempo no decorrer da década. Em 1753, Seixas aparece como morador em Lisboa. O poderio do negociante é atestado pela participação como acionista na Companhia Geral do Grão-Pará, da qual possuía dez ações em 1758. Pelos privilégios concedidos aos acionistas, a Mesa de Consciência e Ordens foi obrigada a conceder a Seixas o hábito da ordem de Cristo no mesmo ano, revogando, assim, os impedimentos mecânicos da recusa anterior.18

Além do negócio dos contratos, Seixas adquiriu diversas serventias de ofícios entre 1753 e 1757 no Rio de Janeiro, Goiás e Minas Gerais: administrador dos guindastes da alfândega do Rio de Janeiro (1750, 1755), escrivão da câmara, almotaçaria e tabelião de Angra dos Reis da Ilha Grande (1753), escrivão da Fazenda Real e matrícula do Rio de Janeiro (1753, 1757), tesoureiro dos defuntos e ausentes da comarca de Goiás (1755), meirinho, guarda e porteiro da alfândega do Rio de Janeiro (1755), inquiridor, contador e distribuidor de São João Del Rei (1757), escrivão das execuções da Vila do Príncipe (1757) e escrivão da Conservatória da Casa da Moeda do Rio de Janeiro (1757) (Ribeiro, 2010, pp. 200-201). Certamente boa parte destes ofícios não foi ocupada pelo próprio Seixas, mas por terceiros, por ele indicados, ou mesmo revendidos. Os ofícios na alfândega e na Casa da Moeda fluminenses colocavam Seixas em contato direto com informações essenciais sobre as finanças da capitania, a movimentação geral das mercadorias e os fluxos do ouro e talvez informações sigilosas sobre outros comerciantes. Em relação aos ofícios em Minas e Goiás, podem ter sido revendidos a pessoas interessadas ou ter permitido o acesso a informações daquelas localidades.

Mesmo a arrematação por contratadores alheios à capitania acabou por favorecer de forma secundária o envolvimento dos homens de negócio paulistas no trato com as questões do fisco. Fato invariavelmente observado nas empresas modernas, com a separação entre gestão e propriedade, o fortalecimento dos contratadores reinóis implicou a criação de cargos de administradores dos contratos nas capitanias, que envolviam membros das elites locais. O registro destes administradores não é tarefa das mais fáceis, pois se tratava de matéria privada, ausente da correspondência oficial dos governadores. Cabendo aos contratadores a sua escolha, conforme prerrogativa dos seus contratos, pouco se sabe sobre as atividades e responsabilidades destes administradores.

Alguns administradores depois figurariam como os próprios arrematantes dos contratos, por ocasião do estabelecimento das Juntas da Fazenda nas capitanias. O futuro contratador Manuel de Oliveira Cardoso, por exemplo, aparece como administrador do contrato dos meios direitos de Curitiba para o triênio de 1756 a 1759 e do contrato dos dízimos no triênio de 1757 a 1760 em nome dos arrematantes Caetano Diogo Parreira e Silva e Manuel Gil, respectivamente.19 Ser administrador permitia o aprendizado da cobrança dos tributos, para muitos um passo importante para o domínio posterior do negócio.

Outro caso menor envolvia Sebastião de Alvarenga Braga, fiador do contrato dos meios direitos do registro de Curitiba no triênio 1765-1768. Ele aparece como administrador do contrato da pesca da baleia, arrematado por Francisco Pereira de Sousa, durante o período de 1755 a 1757.20 Em 1765, Braga figura como comerciante em Santos, com cabedal de 6 000 000 réis. A vila de Santos, aliás, parece ter sido um bom local para a escolha dos administradores devido aos contatos frequentes com o reino. Em diferentes épocas, João Ferreira de Oliveira e Manuel Ângelo Figueira de Aguiar ocuparam o posto de administradores do contrato da pesca das baleias. No censo de 1765, não aparecem como comerciantes, mas “vivem dos seus negócios” e pertencem à elite da vila.21

Após 1755, haveria duas exceções ao predomínio dos contratadores sediados em Lisboa nas arrematações da capitania de São Paulo. É possível que as perdas econômicas decorrentes do terremoto de Lisboa, sobretudo as falências comerciais, tenham atingido a continuidade dos homens de negócio nos contratos do Brasil, abrindo oportunidades a alguns comerciantes das capitanias, que, por intermédio de seus procuradores em Lisboa, conseguiram obter os contratos leiloados no Conselho Ultramarino. Um indicador do declínio do Conselho antes mesmo da criação do Erário Régio é a queda no número de contratos arrematados na década de 1750. Entre 1745 e 1749, foram arrematados 84 contratos, ápice atingido pelo Conselho até 1789. No quinquênio seguinte, entre 1750 e 154, arremataram-se 67 contratos. Entre 1755 e 1759, foram a leilão 48 contratos, quase metade do primeiro período.

Em São Paulo, Claro Francisco Nogueira aparece como arrematante de dois contratos do subsídio dos molhados e novo imposto de Santos adquiridos em 1755 e 1763. O sócio de Claro Francisco neste último contrato foi João Luís de Oliveira, possivelmente residente na Bahia, onde era arrematador de sete contratos e fiador em outros dois no período de 1763 a 1767. O outro contratador reinol residente na capitania paulista era José Álvares de Mira, arrematante de quatro contratos das entradas de Minas Gerais (1733, 1736),22 do contrato do estanco do sal do Estado do Brasil (1763), do subsídio dos molhados e novo imposto de Santos (1767) e dos dízimos da capitania paulista (1768). Também arrematou dois contratos dos dízimos do Rio de Janeiro (1763 e 1768). Com exceção dos contratos das entradas de Minas Gerais, arrematados na provedoria da fazenda mineira, todos os contratos restantes foram leiloados no Conselho Ultramarino.

Os dois contratadores aparecem como arrematantes de diferentes contratos dos dízimos para triênios sobrepostos. O contrato de José Álvares de Mira e sócios foi arrematado em 1º de julho de 1763, compreendendo o triênio de 1º de agosto de 1763 a 31 de julho de 1766. O contrato de Claro Francisco Nogueira foi arrematado ao final do mesmo mês, em 28 de julho, e abrangia o período de 1º de agosto de 1764 a 31 de julho de 1767. Não foi possível detectar, a partir da documentação consultada, qual dos contratos prevaleceu. A questão é ainda mais intrigante, pois o contrato dos dízimos também passou a ser arrematado na capitania de São Paulo a partir de 1765.23 Porém, mesmo que os contratos não tenham sido efetivados, é possível perceber que existiam dois grupos concorrentes na disputa pelos contratos da capitania leiloados em Lisboa.

Claro Francisco Nogueira (1708-post.1765) era reinol natural da freguesia de São João de Nogueira, termo de Viana, cujos pais e avós teriam origem na lavoura. Ao final da década de 1730, residia em Santos, onde ocupava o cargo de sargento-mor. Vivia de “negócio grande” e era alfabetizado. As estimativas quanto à sua fortuna ao final da década de 1730 divergiam entre 10 000 000 e 20 000 000 réis. É provável que tenha perdido muito da sua riqueza, pois em 1765 sua esposa declarou apenas 1 600 000 réis no recenseamento da vila de Santos. Nogueira conseguiu obter o hábito de familiar do Santo Ofício por volta de 1749.24

Por intermédio do seu casamento em Santos, as relações familiares de Claro Francisco Nogueira aproximaram-no de mercadores, militares e administradores da praça. Na vila santista, casou-se em 1737 com Felícia de Araújo Bueno, de mãe natural da terra, Mariana Bueno, e pai reinol também de Braga, Manuel Gonçalves de Araújo. Felícia era bisneta, por parte de mãe, do famoso Amador Bueno de Ribeira, que havia sido capitão-mor e ouvidor da capitania de São Vicente, depois aclamado rei em São Paulo em 1641. O avô de Felícia, Manuel Lobo Franco, natural de Portugal obteve o governo da terra em Santos. As primas de Felícia eram casadas com outros comerciantes importantes de Santos. Maria Bueno casou-se com João Ferreira de Oliveira (1708-?), sargento-mor que “vivia de seus negócios” com cabedal de 16 000 000 réis, o que lhe tornava o homem mais rico da vila em 1765. Sua outra prima, Mariana Rodrigues Silva casou-se com Francisco de Carvalho Silva (1717-?), que possuía loja de negócio e cabedal de 1 600 000 réis no mesmo ano. O irmão de Felícia Bueno, Bernardo, era casado com Ana Francisca Leite, filha do Fernando Leite Guimarães (1711-?), que seria mestre-de-campo e depois capitão de infantaria em Santos, com cabedal de 2 000 000 réis em 1765 (Leme, 1903, vol. 1, pp. 418-428; Sousa, 1922, vol. 3, pp. 9, 30, 33).

A prima em segundo grau de Felícia, Maria da Silva, casara-se com Gaspar Teixeira de Azevedo, que fora capitão-mor governador da capitania vicentina e designado provedor dos quintos do ouro das minas de Paranaguá e Iguape. A filha de Gaspar e Maria da Silva, Catarina da Silva Teixeira, desposou Gaspar Leite César, um reinol natural de Santa Maria de Zerere que viria a ser comerciante na praça de Santos e familiar do Santo Ofício, além de sargento-mor da fortaleza de Itapema e membro da governança da vila (provavelmente um cargo na câmara). Outra filha de Gaspar e Maria da Silva, com o mesmo nome da mãe, casaria-se com Estevão Fernandes Carneiro, natural de Viana do Minho e homem de grande cabedal em Santos. Estevão seria designado provedor da real casa de fundição a ser criada na vila em 1704, mas que ficara apenas no projeto, conservando-se a de São Paulo. Além do ramo dos Bueno Ribeira estabelecidos em Santos, descendentes de Maria Bueno e de Isabel de Ribeira, havia aqueles com vínculos no planalto, especialmente na cidade de São Paulo, aonde se juntariam à família Leme (Leme, 1903, vol. 1, pp. 418-428).

Por sua vez, José Álvares de Mira (1701-1770) também viera do norte de Portugal, da freguesia de Santa Eulália do Cerdal, termo de Valença do Minho, tendo igualmente pais e avós lavradores. Em 1739, aparece como homem de negócio residente na cidade de São Paulo. Passara para o Brasil ainda rapaz, após ter morado em Lisboa. Na colônia, ficara rico, vivendo “limpo e abastadamente” dos “lucros do seu negócio e contratos”. Constava que conduzia fazendas do Rio de Janeiro para Minas e tivera uma loja na região mineradora. Era também alfabetizado e estimava-se sua riqueza entre 16 000 000 e 28 000 000 réis na mesma época à de Claro Francisco Nogueira.

Apesar de Mira obter o hábito de familiar do Santo Ofício por volta de 1739, teve dificuldades em conseguir a mercê da Ordem de Cristo por ter trabalhado pessoalmente em sua loja estabelecida em Minas. Tentou conseguir dispensa pela oferta de dez marinheiros para a Índia, mas a Mesa de Consciência e Ordens exigiu uma contribuição maior. Assim como outros grandes comerciantes que fizeram fortuna no Brasil, a exemplo de Manuel Bastos Viana, provavelmente retornou a Lisboa antes de 1748, quando aparece como testemunha do processo de habilitação para a ordem de Cristo de José Bezerra Seixas.25 Jorge Pedreira classifica Mira entre os cem grandes negociantes do período pombalino. Segundo o autor, Mira participou em 17 contratos no valor de 428 000 000 réis e era sócio na Companhia Geral de Pernambuco, com doze ações, e na Companhia de Vinhas do Alto Douro (Pedreira, 1995, p. 165). Quando Mira faleceu, em 1770, detinha várias propriedades luxuosas, casas de aluguel e lojas na capital portuguesa, além do contrato do sal de Lisboa e o do peixe seco (Ellis, 1982, pp. 105-106).

Considerações finais

Conforme apontado, a partir de 1723, por intermédio do processo de arrematação de contratos, houve o fortalecimento dos poderes centrais do império, tanto no plano institucional com o Conselho Ultramarino, quanto dos negociantes reinóis envolvidos na arrematação dos contratos. A atuação destes últimos não foi completamente excludente, permitindo algum desenvolvimento das elites mercantis na América portuguesa que possuíssem cabedal suficiente para manter procuradores em Lisboa. No caso de São Paulo, com raras exceções, não houve tal espaço, sendo seus contratos adquiridos por homens de negócio de Lisboa e do Rio de Janeiro.

Do ponto de vista institucional, o fortalecimento do poder regional da capitania paulista foi fragilizado pelas limitações da Provedoria da Fazenda no tocante à arrematação dos contratos. A partir de 1736, assiste-se à perda dos rendimentos para Goiás e Mato Grosso, à passagem definitiva dos leilões dos contratos para Lisboa e à extinção do governo próprio da capitania, subordinando-o ao Rio de Janeiro. Com instituições e agentes enfraquecidos, ou mesmo anulados, apenas com a restauração da capitania haverá outra oportunidade para a consolidação de uma esfera regional de governo.

O declínio do Conselho Ultramarino, decorrente da redução do número de contratos arrematados após o terremoto de Lisboa e da criação do Erário Régio, abalaria completamente o sistema fiscal articulado no reinado anterior. Além da própria reorganização da administração central da fiscalidade imperial, já não estaria assegurada a continuidade dos negociantes do reino na hegemonia dos contratos. Tal movimento iria ainda afetar as câmaras em suas negociações fiscais com o rei ao esvaziar o Conselho Utramarino, obrigando-as a buscar outros espaços de articulação. A extinção das Provedorias da Fazenda em 1774 foi o último passo do longo desmonte da arquitetura fiscal do reinado de dom João V. Aos olhos do governo mariano, por exemplo, nada sobrava de bom quanto a estas instituições, apenas uma memória negativa sobre a “notória transgressão em que se constituíram a maior parte das provedorias da minha Real Fazenda dos domínios ultramarinos e ilhas”.26

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Archivos

Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa, Portugal

Arquivo Histórico Ultramarino Lisboa, Portugal

Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Brasil.

Arquivo Nacional Rio de Janeiro, Brasil

Arquivo Nacional, Torre do Tombo, Lisboa, Portugal.

Arquivo Nacional Torre do Tombo, Lisboa, Portugal

Arquivo Público do Estado de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Arquivo Público do Estado de São Paulo São Paulo, Brasil

Notas

[1] Livro de lembrança das entradas e saídas das frotas portuguesas, e de outros navios para a América e Estados da Índia. S. l., s. d. [1739-1763]. Junta do Comércio, liv. 74. Arquivo Nacional, Torre do Tombo (doravante antt).

[2] Ofício do rei João V ao mestre-de-campo e governador da praça de Santos. Lisboa Ocidental, 7 de fevereiro de 1732. Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo (doravante di), 24, pp. 91-92. Carta do mestre de campo e governador da praça de Santos, João dos Santos Ala, para o rei João V. Santos, 26 de outubro de 1736. Arquivo Histórico Ultramarino, Conselho Ultramarino, Avulsos, São Paulo (doravante ahu-sp), Mendes Gouvêa, caixa 12, doc. 1152.

[3] Também estavam excluídas da jurisdição do Conselho Ultramarino as conquistas da África e as ilhas da Madeira e Açores. É verdade que boa parte da estrutura do Conselho Ultramarino reproduzia e ampliava as anteriores atribuições do Conselho da Fazenda quanto aos domínios.

[4] Para uma interpretação um pouco distinta quanto à periodização e força do Conselho Ultramarino sobre a fiscalidade colonial, ver Figueiredo (2004).

[5] Neste sentido, a arrecadação do donativo para a paz da Holanda e do donativo para o dote de casamento da rainha da Inglaterra foi um verdadeiro teste de forças entre o Conselho e as câmaras. Os atrasos nas remessas, a prorrogação dos prazos e a redefinição dos montantes a serem pagos pelas capitanias atestavam a vitalidade dos poderes locais, ainda que de modo algum o rei permitisse a suspensão do donativo suplicada pelas câmaras. Em 1725, a Bahia ainda devia 59 000 000 réis pelo donativo criado seis décadas antes (Carrara, 2009, p. 79; Ferreira, 2010, pp. 133-135).

[6] Ofício do rei João V ao provedor da fazenda da capitania de São Paulo, Timóteo Correia de Góis. Lisboa Ocidental, 9 de julho de 1723. Documentos Históricos (doravante dh), 1, 93.

[7] Ofício do rei João V ao provedor da fazenda da capitania de São Paulo, Timóteo Correia de Góis. Lisboa, 19 de novembro de 1731. dh, 1, p. 188. Ofício do rei João V ao provedor da fazenda da capitania de São Paulo, Timóteo Correia de Góis. Lisboa, 17 de novembro de 1731. dh, 1, p. 195.

[8] Ofício do rei João V ao provedor da fazenda da capitania de São Paulo, José de Godói Moreira. Lisboa, 3 de março de 1736. dh, 1, pp. 289-290. Ofício do rei João V ao provedor da fazenda da capitania de São Paulo, José de Godói Moreira. Lisboa, 21 de abril de 1737. dh, 1, pp. 321-313.

[9] Para o período 1726-1731 não se obteve os valores de três contratos e para o de 1738-1748 de um dos contratos. Os valores foram suprimidos do cálculo da média. Com exceção do ano de 1732, não se encontrou a documentação de todos os contratos arrematados entre 1732 e 1736 pela provedoria paulista. Carta do provedor da Fazenda Real da praça de Santos, Antônio Francisco Lustosa. Santos, 15 de agosto de 1733. ahu-sp, Mendes Gouvêa, caixa 8, doc. 916.

[10] Carta do provedor da Real Fazenda da capitania de São Paulo, Timóteo Corrêa de Góis, ao governador e capitão-general da capitania de São Paulo, Rodrigo César de Meneses. Santos, 18 de agosto de 1724. Arquivo Público do Estado de São Paulo (apesp), ordem 242, caixa 15, pasta 1, doc. 53. Carta do governador e capitão-general da capitania de São Paulo, Rodrigo César de Meneses, ao rei João V. São Paulo, 15 de maio de 1725. ahu-sp, Mendes Gouvêa, caixa 4, doc. 491. di, 32, pp. 122-123.

[11] Carta do rei João V ao governador e capitão-general da capitania de São Paulo, Rodrigo César de Meneses. Lisboa, 20 de outubro de 1725. di, 18, pp. 180-182.

[12] Carta do governador e capitão-general da capitania de São Paulo, Rodrigo César de Meneses, ao rei João V. São Paulo, 15 de maio de 1725. di, 32, pp. 122-123.

[13] Ofício do rei João V ao provedor da fazenda da capitania de São Paulo, Timóteo Correia de Góis. Lisboa Ocidental, 26 de agosto de 1726. dh, 1, pp. 116-117.

[14] Ofício do rei João V ao provedor da fazenda da capitania de São Paulo, Timóteo Correia de Góis. Lisboa Ocidental, 8 de março de 1729. dh, 1, pp. 151-152. Ofício do rei João V ao provedor da fazenda da capitania de São Paulo, Timóteo Correia de Góis. Lisboa Ocidental, 27 de maio de 1730. dh, 1, p. 169. Ofício do rei João V ao provedor da fazenda da capitania de São Paulo, Timóteo Correia de Góis. Lisboa Ocidental, 31 de maio de 1730. dh, 1, pp. 170-171.

[15] Luiz Antônio Araújo, seguindo Luiz Filipe de Alencastro, classifica tais contratadores como negociantes do ultramar, sem os vincular a alguma praça específica na América portuguesa. Segundo o autor, considerando o caso de José Bezerra Seixas: “a abrangência territorial dos contratos nos quais se envolve e a necessidade de articulações na corte, inclusive nas disputas pelas arrematações, que aparece de forma clara, permite pensá-lo naquela condição de um negociante do ultramar” (Araújo, 2008, p. 137).

[16] Habilitação do Santo Ofício de Pedro Gomes Moreira. antt, maço 28, diligência 513, e Ellis (1982, p. 109).

[17] Gaspar de Caldas aparece como contratador da dízima da alfândega do Rio de Janeiro para o triênio de 1732 a 1734. Outro nome recorrente na arrematação dos contratos, Estevão da Silva Castelbranco, homem de negócio residente em Lisboa, figura como procurador de Seixas em 1738 na arrematação do estanco do tabaco no Rio de Janeiro.

[18] Habilitação da Ordem de Cristo de José Bezerra Seixas. antt, letra J, maço 13, n. 6. A residência de Seixas em Lisboa em 1753 também foi atestada por Luiz Antônio Araújo (Araújo, 2008, p. 135).

[19] Relação dos contratos pertencentes à Provedoria da Fazenda Real de Santos. Santos, [ca. 15 de março de 1759]. ahu-sp, Mendes Gouvêa, caixa 22, doc. 2116.

[20] Balanço das contas do contrato da pesca das baleias no Rio de Janeiro, e suas anexas [...]. Lisboa, 27 de outubro de 1768. antt, Junta do Comércio, maço 67, caixa 215.

[21] Sousa (1922, vol. 2, cap. 2, e vol. 3, pp. 7, 30). Ofício do governador e capitão-general da capitania de São Paulo, Luís Antônio de Sousa, para o sargento-mor Manuel Ângelo Figueira de Aguiar, administrador do contrato das baleias. São Paulo, 11 de novembro de 1767. di, 68, p. 20. Ofício do governador e capitão-general da capitania de São Paulo, Luís Antônio de Sousa, para o sargento-mor João Ferreira de Oliveira, administrador que foi do contrato das baleias. São Paulo, 11 de novembro de 1767. di, 68, pp. 20-21.

[22] Dois contratos do caminho novo e velho do Rio de Janeiro e São Paulo (1733-1736), um contrato do caminho do sertão da Bahia (1733-1736) e um contrato do caminho do sertão da Bahia e Pernambuco (1736-1739) (Antezana, 2006, pp. 81-82).

[23] Ana Paula Medicci aventa duas hipóteses: a suspensão do contrato leiloado a Claro Francisco Nogueira e sócios, validando o contrato realizado em São Paulo, ou o trespasse do ramo do contrato pertencente aos primeiros para Manuel de Oliveira Cardoso (Medicci, 2010, p. 53). A primeira hipótese é mais plausível, pois a segunda não incluiria um contrato redigido em nome de Manuel de Oliveira Cardoso e com um período menor de vigência. Ademais estas vendas de ramos não pertenciam à jurisdição da Junta da Fazenda, sendo realizadas por agentes privados e, por vezes, registradas em cartório.

[24] Habilitação do Santo Ofício de Claro Francisco Nogueira. antt, doc. 1121, e Sousa (1922, vol. 3, p. 9).

[25] Habilitação da Ordem de Cristo de José Álvares de Mira. antt, letra J, maço 99, n. 14. Habilitação do Santo Ofício de José Álvares de Mira. antt, maço 44, diligência 707. Habilitação da Ordem de Cristo de José Ferreira da Veiga. antt, letra J, maço 13, n. 6, f. 13.

[26] Provisão régia para a Junta da Fazenda de São Paulo. Palácio de N. Sra. da Ajuda, 12 de junho de 1779. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro (anrj), códice 447, vol. 2, fs. 80v-81.