Introdução
O processo de modernização das relações comerciais e de transformação das práticas
de mercado, no passo do desenvolvimento do capitalismo, ocorreu de forma lenta e variada
no território do Brasil. Confunde-se com a complicada busca por estabilidade política
e institucional do próprio Estado Nacional, diante de uma configuração bastante heterogênea
de interesses, de grupos sociais e de realidades regionais.
No período da independência, o Brasil se inseria nas relações econômicas internacionais,
correlacionando sua condição de exportador primário escravista com a criação e consolidação
de suas instituições políticas e suas leis, com a diversidade de seu território e
o desenvolvimento das trocas internas. Essas condições específicas fizeram com que
a estrutura escravista mercantil dos tempos coloniais sobrevivesse e convivesse com
a aceleração das trocas e consequente desenvolvimento de novas práticas mercantis
no espaço interno.
Os principais vetores da economia eram as produções agroexportadoras, o setor monopolizador
da importação, exportação e circulação interna de mercadorias e o grande comércio,
integrado com um incipiente setor financeiro. A expansão da economia nacional, puxada
por esse nível superior da engrenagem econômica e sentida nas produções abastecedoras
e nos mercados urbanos, tornava as transações do mercado mais complexas, o que aumentava
as necessidades de regulamentação, profissionalização e institucionalização.
Para Pelaez e Suzigan (1981, p. 68), na década de 1830, iniciava-se o processo que consolidaria o modelo de desenvolvimento
econômico e financeiro do Brasil. Cresciam as exportações, passando a serem lideradas
pelo café, consolidava-se a dependência da mão-de-obra escrava e parcela significativa
dos lucros concentrava-se nas mãos dos agentes urbanos do mercado. No mesmo período,
emergia uma nova elite política, representante dos interesses de setores produtivos
diversos e altamente mercantilizados.
A necessidade de ampliação de crédito, percebida pelas praças comerciais, fez surgirem
bancos comerciais nos principais centros portuários do país, nas décadas de 1830 e
1840: Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Pará. As instituições
bancárias foram, então, as primeiras grandes empresas por associação de capitais,
as sociedades anônimas, nas quais o capital é distribuído em ações comercializáveis
e a instituição é dirigida por um mandatário, sócio ou não (Levy, 1994). O controle do crédito, no entanto, continuaria nas mãos de grandes e tradicionais
negociantes usurários, na prática, alguns dos sócios dos novos bancos e intermediário
dos empréstimos ao setor produtivo (Guimarães, 1997).
O final da década de 1840 foi um período de importantes inflexões na legislação e
regulação econômica no Brasil. Bárbara Levy (1994, p. 46) considera este, o início de uma série de medidas institucionais que “contribuíram
para a integração do país no processo de acumulação e delineamento do capitalismo
interno”. As principais medidas foram: a tarifa Alves Branco de 1844, que aumentou
a taxação de manufaturados importados, a adoção do Padrão Ouro em 1846; a lei das
Sociedades Anônimas de 1849; a Lei de Terras de 1850, que restringiu o acesso à terra,
criando um mercado para o setor, a Lei Euzébio de Queiroz, de 1850, que abolição o
tráfico de escravos, disponibilizando recursos para a economia, e, por fim, o Código
Comercial Brasileiro, também de 1850.
Todas essas mudanças, obviamente, estão inscritas na consolidação e centralização
do Estado Imperial, ocorridas no Segundo Reinado, não apenas pela regulamentação do
funcionamento da economia e da sociedade, mas são também resultados de disputas e
interesses de grupos sociais. Para Carlos Gabriel Guimarães (1997), o novo conjunto de medidas outorgava ao Estado a condição de mediador-catalisador
institucional dos interesses dos grupos sociais dominantes, a saber, os grandes negociantes
e proprietários de terras e escravos. Seguindo as teses de Ilmar Mattos (1990), para o qual a elite política conservadora do Rio de Janeiro teria comandado esse
processo, conciliando a estabilidade política com os privilégios à sua base social,
Guimarães (2012) defende que as novas práticas empresariais não estavam dissociadas de fatores sociais
e políticos, como a organização familiar e o trânsito nos centros de poder.
A Lei de Terras (1850), por exemplo, nos dizeres de Bárbara Levy (1994), ao legitimar as ocupações desregradas de terras ocorridas antes da legislação, “congelava
a hierarquia social do Império” (p. 48), pautada no latifúndio. Já a aprovação do
Código Comercial, segundo Roberto Saba (2010), teve uma participação fundamental dos grandes negociantes das cidades mais ricas
do império. Eles reclamavam da inexistência de uma justiça mercantil específica, de
regulamentação que evitasse falências fraudulentas e da falta de uma resposta legal
efetiva aos maus devedores. A ação dos comerciantes grossistas manifestava-se em cartas
e petições que expressavam o desejo de maior segurança na atividade creditícia.
A aprovação do Código Comercial, em 25 de junho de 1850, foi o marcomais significativo
no intuito de promover segurança, estimular econsolidar a diversificação das práticas
mercantis mais sofisticadas,com a movimentação das maiores somas de capital. Portanto,
apesar deregulamentar todos os setores do comércio, atendia no curto prazo, àsdemandas
do topo da pirâmide da hierarquia mercantil. Um decretopublicado meses depois definia
quais os setores incluídos no escoporegulamentador do Código:
Artigo 19. Considera-se mercancia: SS 1º. A compra e venda ou troca de efeitos moveis
ou semoventes, para os vender por grosso ou a retalho, na mesma especie ou manufacturados,
ou para alugar o seu uso. SS 2º. As operações de cambio, banco e corretagem. SS 3º.
As emprezas de fabricas, de commissões de deposito; de expedição, consignação e transporte
de mercadoria; de espectaculos públicos SS 4º. Os seguros, fretamento, risco, e quaisquer
contratos relativos ao commerciomaritimo. SS 5º. A armação e expedição de navios (Brasil, 1909, p. 76, in Guimarães, 2012, p. 92).
A inclusão das operações bancárias, seguros, corretagem e de fábricas na definição
da mercancia é uma clara reação ao próprio desenvolvimento do mercado, pois, mesmo
sem a devida regulamentação, esses setores já funcionavam e se multiplicavam no Brasil.
Estamos denominando como desenvolvimento do mercado, o resultado contínuo de aceleração,
intensificação e crescimento das trocas. A orientação mercantil passa a responder
cada vez mais pela cobertura das necessidades, diante do crescimento demográfico,
urbanização, integração econômico-espacial, eficiência na busca pelo lucro e aumento
da produtividade, tanto das unidades de produção familiares ou escravistas.
A modernização das formas de acumulação, em uma sociedade ainda pré-industrial, obedece,
como orienta Fernand Braudel (1996), os caminhos trilhados pelo setor mercantil. Estes produzem um efeito em cascata,
desde os centros comerciais-financeiros e capitalistas mais ricos até as instâncias
inferiores do mercado.
Nesse sentido, a multiplicação das sociedades comerciais, sociedades de capitais e
investimentos financeiros, no Rio de Janeiro, eram sinais dos novos tempos. Apesar
da timidez industrial e da manutenção da escravidão, há um empresariado com características
diferentes, controlando os bancos, as seguradoras e o crédito (Fragoso e Martins, 2003).
Da capital do império e de outras grandes praças comerciais, como Salvador, Recife
e São Paulo, essas novas práticas chegavam ao interior, sobretudo nos meios urbanos.
Interessa-nos verificar, como este conjunto de transformações incidem sobre os instrumentos,
investimentos e práticas de mercado.
A “Imperial Cidade de Ouro Preto”, apesar de capital de Minas Gerais, era um centro
comercial de dimensão regional, em torno do qual gravitavam alguns distritos e municípios
da área central da província. A grande extensão territorial e a multiplicação de pequenos
e médios centros urbanos desconcentravam a atividade mercantil em Minas Gerais, que
quase absolutamente se reportava ao Rio de Janeiro, como referência para exportação
e importação.
Rodarte, Paula e Simões (2004) desenvolveram minuciosa pesquisa acerca da urbanização na província de Minas Gerais,
na década de 1830, na qual identificou a capital Ouro Preto com o mais alto nível
de centralidade urbana (nível 1), juntamente com Serro. A centralidade urbana, conforme
trabalhada pelos autores, é uma categoria que se refere ao grau de existência de serviços
públicos, atividades manufatureiras, mercantis e profissionais liberais.
Na capital provincial, como em outras cidades importantes, havia uma pequena, mas
poderosa elite de negociantes que controlava o grande comércio local, intermediando
mercadorias, crédito e práticas de negócios entre o Rio de Janeiro e o interior. Esse
grupo destacou-se no comércio de manufaturados importados, escravos, animais e, principalmente,
emprestando dinheiro a juros para produtores, para pequenos comerciantes e para a
população em geral. Aqueles com maior poderio financeiro e melhor inserção política
conseguiram se tornar intermediários das companhias de mineração inglesa que se instalaram
na região desde a década de 1820, fazendo renascer a extração aurífera, a qual, a
partir de então, tornou-se subterrânea e recebeu vultosos investimentos (Andrade, 2013).
A partir da análise das escrituras cartoriais de Ouro Preto foi possível flagrar o
destaque dos comerciantes em diversos setores de transações: comércio de imóveis,
comércio de escravos e, principalmente, nas escrituras de dívida e hipoteca. Em que
pese a relativa dispersão do crédito pessoal, uma característica das economias pré-industriais
e pré-bancárias, um pouco mais de 50% das transações e valores informavam comerciantes
como credores, de um total de 507 escrituras de dívida e hipoteca.1 Entre 1820 e 1865, essa concentração foi se tornando ainda maior, demonstrando a
consolidação e auge da elite mercantil, principalmente entre as décadas de 1830 e
1850.
Apesar de a extração do ouro ser quase toda controlada pelo capital estrangeiro, a
região de Ouro Preto não dispunha de um produto massivamente comercializado com outras
regiões ou com o exterior. Esse cenário fazia com que a capital da província perdesse
importância econômica e fosse notadamente mais pobre que outros centros urbanos, como
São João del Rei. No entanto, sua característica marcadamente urbana, seu papel de
centro administrativo e político e sua relação de reciprocidade comercial com o Rio
de Janeiro fez com que práticas modernas de mercado aparecessem entre as escolhas
dos mais importantes negociantes-capitalistas da cidade.
Entretanto, tais novidades conviveram e se misturaram às tradicionais formas de investir,
organizar negócios ou conquistar privilégios diante da estrutura do Estado.
Por meio do movimento dos negócios dos agentes mercantis é possível perceber os momentos
em que ocorrem transições de práticas, instrumentos e investimentos mercantis. O objetivo
não é traçar uma linha evolutiva linear do capitalismo, mas flagrar os processos e
mudanças que, aos poucos, manifestavam-se no ofício dos negociantes ou nos investimentos
daqueles que dispunham de capital. Dessa forma, partindo de uma análise microfocal,
analisamos casos e sujeitos de um centro econômico periférico (Ouro Preto) para perceber
como suas ações manifestam o processo de modernização global.2
Nesse sentido, interessa-nos mais a qualidade das informações contidas em contratos,
escrituras, inventários post-mortem e em relatórios governamentais, do que o volume de dados. A análise que segue é uma
experiência de rastreamento das práticas dos agentes mercantis, em meados do século
xix, em Ouro Preto, mediante a análise das sociedades comerciais, investimentos em títulos
financeiros e instituições bancárias.
As sociedades comerciais e os instrumentos da prática mercantil
Muitas eram as formas de associações consideradas mercantis, mas a definição básica
de sociedade passava pela contribuição de mais de um interessado com alguma quota
no negócio comercial. Essas participações envolviam o emprego de capital, produtos
ou mesmo de trabalho. Até o século xix, eram comuns negócios associativos serem celebrados por meio de simples correspondências
ou mandatos (procurações). Agentes mercantis que atuavam nas praças portuárias ou
no interior do Brasil, durante o período colonial, muitas vezes associavam-se aos
grandes negociantes de Lisboa, ou mesmo aos mercadores e homens de negócios estabelecidos
no litoral (Pedreira, 1995).
Para o estabelecimento de sociedades mais duráveis, com somas de capital mais elevadas
ou aqueles pequenos negócios que necessitassem de maiores formalidades eram usados
os contratos comerciais. Esse instrumento de formalização apresentava regras e condições
mais claras do negócio específico, dando mais segurança aos sócios. Com um contrato,
público ou particular, poderia se estabelecer a formação de uma firma, nome social
sob o qual responderia a sociedade entre pessoas, ou uma sociedade anônima (ou companhia),
sem firma, regida pela associação de capitais.
Até as primeiras décadas do século xix, no espaço mercantil interno, mesmo havendo diversos tipos de contratos celebrados
para negócios de duração curta, como para o transporte de mercadorias, eram pouco
comuns sociedades que estabelecessem firmas ou companhias de capitais. Mesmo grandes
negociantes e usurários, continuavam estabelecidos com casa de negócio individual.
No Rio de Janeiro, por exemplo, o negócio de grosso trato ou tráfico de escravos era
dominado por negociantes individuais. Na segunda década do século, no entanto, algumas
empresas dedicadas ao seguro de viagens transoceânicas, negócio que exigia vultosas
somas de capital, já se formalizavam como firmas ou sociedades anônimas (Fragoso, 1992).
No período joanino, esse lento movimento de formalização-institucionalização das práticas
mercantis passara a ser incentivado pelo Estado, com a matrícula na Real Junta do
Comércio ou mesmo a obrigatoriedade das Aulas do Comércio, criadas no Rio de Janeiro,
Salvador e Recife (Chaves, 2006, p. 29). Isso revela, portanto, que as necessidades impostas pelo desenvolvimento e alargamento
das trocas, disseminava instrumentos e práticas na comunidade mercantil, mas também
refletia e era influenciado pela presença do Estado, pelos costumes e relações sociais.
Apesar da maioria dos registros na Junta do Comércio ter sido feito por negociantes
de praças litorâneas, os grandes negociantes de Ouro Preto também procuraram esse
instrumento de formalização, comprovando sua condição de comerciante grossista (Andrade, 2013, p. 231).
A maior parte das organizações comerciais ainda continuava, e ainda continuaria por
muito tempo, sendo associações de pessoas e não de capitais. Sobre as grandes firmas
mercantis em Portugal, Jorge Pedreira também acentua que “Estas associações [entre
negociantes] não estavam ainda em condições de produzir uma mecanização ou despersonalização
do negócio, isto é, uma institucionalização pela qual a empresa se separasse do empresário”
(Pedreira, 1995, p. 398). Tanto os grandes negócios atacadistas da Corte, quanto os negócios locais do interior
do Brasil, dedicados ou não à oferta de crédito, ainda permaneciam ligadas à figura
do proprietário, um negociante individual ou então sob firmas mercantis que agrupavam
dois ou três comerciantes.
Diante do crescimento do volume e raio de alcance das trocas no mercado interno, por
exemplo, negociantes atacadistas do Rio de Janeiro se associavam para estender a capacidade
de investimento e clientela. Ao mesmo tempo, é também na Corte que se multiplicava
a formalização dos negócios.
Alguns exemplos pudemos encontrar na análise da documentação da loja de fazendas secas
da família Machado de Magalhães, em Ouro Preto, em 1932. Das 24 fornecedoras, 16 eram
firmas mercantis por associação, estabelecidas no Rio de Janeiro, como a João Gonçalves
Pereira & Cia., Duarte & Vellozo, P. Sunderland & Filho, entre outras. Apenas oito
fornecedores eram negociantes individuais.3 Na mesma década, as firmas ou sociedades eram raríssimas em Ouro Preto, como revelado
nas Relações de Casas de Negócio de 1836, quando nenhum estabelecimento se apresentou
como tal. 4
Até o final da década de 1840, apenas no topo da hierarquia mercantil a prática associativa
era recorrente. O poderoso negociante grossista Francisco de Paula Santos, por exemplo,
mantinha, além de sua casa comercial na cidade, uma sociedade no Rio de Janeiro, a
Pena Santos & Cia. Essa firma fornecia mercadorias secas, crédito e intermediava os
interesses dos comerciantes locais na Corte. Já a Guimarães Lagoa & Cia., importadora
de líquidos, era fruto da sociedade entre o negociante local Silvério Pereira da Silva
Lagoa com outra casa do Rio de Janeiro, também funcionando com o objetivo de controlar
o atacado de alimentos e bebidas importadas em Ouro Preto. As escrituras de dívida
e hipoteca revelaram um grande montante em negócios realizados por essas duas firmas
na cidade.5
Em meados do século xix, os contratos de sociedades relativos aos estabelecimentos comerciais, principalmente
as lojas, foram se popularizando, proporcionando também uma maior organização financeira,
divisão de tarefas, efetiva escrituração e segurança nos negócios, sejam os familiares
ou não. É importante observar como esses instrumentos chegaram ao comércio fixo de
Ouro Preto, como praça mercantil interiorana, ou seja, distante do órgão de registro
oficial, a Junta do Comércio (depois de 1850, Tribunal do Comércio,) e com dimensões
modestas de seus estabelecimentos.
Nas décadas de 1830 e 1840, somente três registros de contratos foram encontrados
em todas escrituras cartoriais rastreadas. Alguns poucos exemplos dizem respeito a
uma busca de diversificação ou expansão da atuação mercantil, não exatamente sobre
o negócio principal dos negociantes envolvidos. Já a partir de 1850, até 1865, foram
escrituradas catorze sociedades, todas dizendo respeito ao estabelecimento de loja
de fazendas ou molhados para comércio varejista. Esse movimento reflete o aumento
da formalização de transações mercantis, a disseminação pelo interior do Brasil da
prática associativa e, também, a influência do Código Comercial (Brasil, 1850), que havia sistematizado condições, formalidades e regras, servindo de guia para
pequenos e grandes comerciantes.
O Código comercial, em 1850, apresentava os principais tipos de sociedades, seguindo
as legislações anteriores, manuais mercantis e as práticas de comércio. Seriam elas:
a) sociedade em comandita, quando um ou mais sócios proprietários entravam com todo ou parte do capital, deixando
a responsabilidade de administração para outros sócios; b) sociedade em nome coletivo, quando os sócios entram com capital na abertura de uma firma e dividem a responsabilidade.
Era o tipo sociedade mais comum: c) sociedade capital e indústria [trabalho], quando um ou mais sócios entram com os fundos necessários e a outra parte
entra somente com o trabalho. Comuns nos contratos em que um caixeiro ou gerente tem
partes nos lucros; d) sociedade em conta de participação, quando os sócios se reúnem sem firma social para lucro comum, respondendo pelo nome
individual de cada um ou alguns, mas com um fim social; e) sociedade anônima ou companhia, reunião de capitais de sócios anônimos em um empreendimento administrado por mandatários,
sócios ou não. A legislação de 1850 exigia autorização do governo dos estatutos. Comuns
no setor bancário, seguros, transporte e indústria (Brasil, 1850).
A divulgação de uma casa comercial, publicada no jornal O conciliador, em julho de 1851, anunciava a chegada de “uma porção do novo código do comércio”.
Certamente, o dono do estabelecimento divulgado entendia que a compra do código era
de interesse do público, principalmente dos comerciantes locais (Godoy, 2004, p. 398).
A sociedade de loja aberta por Fernando Luís Machado de Magalhães e seus filhos, Modesto
Antônio e Antônio Luís tratava-se de uma sociedade de tipo capital e trabalho, pois,
o pai entrava com todo o capital, doze contos de réis (12 000 000), e a loja seria
administrada pelos filhos sócios, “debaixo da gerência do pai”. Chama atenção o cuidado
previsto em contrato, com a escrituração detalhada, separada por livros com funções
diferentes e com a definição clara da separação entre as finanças da loja e negócios
pessoais.6
Na prática corriqueira, registravam-se apenas os deveres e haveres, ou seja, o fiado
do balcão, créditos e o que se devia. Esse método era chamado de entradas simples.
No entanto, nos manuais mercantis e nas aulas do comércio, o método de entradas duplas
ou partidas dobradas era ensinado como forma contabilística mais eficiente. Consistia
no registro separado da entrada e saída de mercadorias, do fiado e dos deveres, por
compras ou despesas, sendo essas anotações transcritas no livro diário, um resumo
contabilístico que permite o cálculo da lucratividade ou perda do capital empregado,
além do valor de cada mercadoria estocada para balanços rápidos e precisos.7
No debate sobre o desenvolvimento do capitalismo, a contabilidade racional ou contabilidade
científica aparece como um dos elementos que propiciaram o alcance de lucros reais
por negociantes do ocidente. E essa busca individual por ganhos, mais apurada, segundo
Weber, os distinguiria na formação do capitalismo moderno (Weber, 1985). Discordando dessa proposição, B. S. Yamey argumenta que, embora as partidas dobradas
fossem do conhecimento da comunidade mercantil e sugeridas por manuais, no século
xviii e primeiras décadas do século xix, elas não eram plenamente praticadas, o que, no entanto, não impediu o desenvolvimento
do capitalismo. Segundo o autor, o uso das entradas simples servia ao objetivo dos
negociantes (Yamey, 1949).
Voltando ao contrato da loja dos Machado de Magalhães, é possível verificar uma tentativa
de sofisticação da escrituração que traz alguns elementos do método das partidas dobradas.
O primeiro livro serviria para o registro de todas as mercadorias compradas, “para
em pronto se conhecer o quanto se tem empregado”. O segundo livro, o borrador, se
registraria o fiado, informações que seriam transpostas mensalmente ao livro diário.
O terceiro seria para as despesas, de modo que os deveres fossem conhecidos. O contrato
ainda previa a realização de balanços anuais, “para se conhecer quais os lucros que
houverem e o que toca a cada um dos sócios”.8
Tal prática ainda era incomum em Ouro Preto, onde a existência de simples livros de
assentos predominava nos negócios. No entanto, depois de 1850, foram mais comuns os
indícios de modernização da contabilidade, com referências específicas aos tipos de
livros ou mesmo com a menção da existência de “livros necessários para regular escrituração”
e de balanços comerciais, usando, inclusive, as palavras do texto do Código Comercial.
Na sociedade comercial entre José Basílio da Gama Vilas Boas e José Luís Esteves Pereira,
contratou-se, em 1854, a abertura de loja para compra e venda de fazendas secas e
molhados, na qual o primeiro seria o sócio proprietário e o segundo o sócio administrador,
definindo-se uma sociedade de capital e trabalho. O contrato previa exatamente a existência
de livros tidos como obrigatórios pelo Código Comercial: o diário, em que se registrariam
as vendas do fiado e a dinheiro, e o copiador de cartas, em que se deveriam registrar
as correspondências emitidas com contas, faturas, pedidos, cobranças e instruções.
Além dos obrigatórios, previu-se também o livro conta corrente, no qual se lançaria
“o que se tem a receber e o que se tem a despender” de cada um dos devedores e credores.
O balanço anual, que também estava previsto no código, figurava entre as cláusulas
do contrato.9
Negociantes individuais também seguiam algumas das instruções para a escrituração
mercantil. No processo de falência de Jacintho da Silva Lessa, por exemplo, apresentaram-se
os livros da casa comercial, a saber, um borrador, três livros diários, três de conta
corrente e um de despesas. O Código Comercial exigia a numeração, selagem e rubrica
de todas as páginas dos livros pela autoridade mercantil ou pela primeira autoridade
judiciária nas praças onde não houvesse tribunais do comércio. Os avaliadores do negócio
falido em questão atestaram, no entanto, que tal procedimento não era cumprido pela
loja. Iniciado em 1851, o processo de falência do senhor Jacintho da Silva Lessa,
seguia os ritos previstos no código, o que tornou longa a espera dos credores para
receberem sua parte no rateio do fundo comercial.10
A necessidade de separação entre as contas do negócio e as contas dos indivíduos envolvidos
é outro elemento que sugere maior precisão contabilística no cálculo de perdas e lucros.
Para tanto, a definição das despesas se tornava mais comum e rigorosa nos contratos.
A sociedade de tipo nome coletivo, celebrada entre Antônio de Souza Pinto Barros Cachapuz,
Manoel Bento Malheiros e Joaquim Saturnino Vieira, em 1862, com fundo de mais de 62
contos (62 000 000), definia o que seria considerado despesa da casa comercial: “Artigo
quarto.- São consideradas despesas gerais as seguintes: aluguéis da casa, sustento
dos sócios, caixeiros e criados, salários, direitos, carretos”. Esse contrato foi,
talvez, o mais rigoroso que encontramos, prevendo punição aos que “faltarem com a
probidade” e proibindo a coexistência de negócios paralelos.11
Os sócios preocuparam-se, também, em fixar a retirada em 300 000 réis mensais para
cada um, o que evitava retiradas avulsas que fugissem ao controle. Isso sugere um
nível mais elaborado de organização financeira e despersonalização dos negócios.12
Mesmo não havendo grandes firmas sociais em Ouro Preto, o crescimento do número de
contratos e o aumento dos instrumentos de detalhamento contabilístico indicam um processo
de maior formalização e despersonalização das finanças das casas comerciais, mesmo
que de forma gradual. Segundo o Almanak administrativo, civil e industrial da provincia de Minas Gerais para o anno
de 1864, das 23 lojas de fazendas listadas, cinco aparecerem como firmas sociais (Oliveira e Martins, 1864). Portanto, havia ainda um predomínio de negócios individuais, mas um crescimento
das sociedades em relação às décadas anteriores.
Analisando a publicidade comercial, em jornais de diversas cidades mineiras, na segunda
metade do século xix, Godoy (2004) identificou que cerca de um quarto dos anúncios já se referiam a essas sociedades
comerciais, o que indicaria uma paulatina disseminação dos negócios associativos.
Mesmo com estas transformações, o comércio estabelecido continuou fortemente vinculado
à figura da pessoa do proprietário, da qual o conhecimento popular e o prestígio convergiam
para garantir idoneidade e confiança. Ainda segundo a pesquisa de Godoy (2004), mais de 90% dos anúncios traziam o nome do proprietário da casa comercial, revelando
a força social do nome do comerciante sobre o negócio.
No entanto, no final do século xix, a capital da província seguia sendo a pioneira na difusão da impessoalidade e das
estratégias de atração de consumidores, através dos anúncios. A pesquisa de Luiz A. Paixão (2002), revela que, em comparação com outros centros urbanos, Ouro Preto apresentava grande
número de anúncios em que o endereço e nome do estabelecimento se sobrepunham ao nome
do comerciante. Havia também uma maior exploração das marcas estrangeiras (americanas,
francesas e inglesas) de produtos de perfumaria, tecidos, decoração e bebidas.
O processo de separação das pessoas e famílias dos capitais e da administração ocorria
de cima para baixo, isto é, era quase exclusividade de alguns setores, localizados
no topo hierarquia mercantil. A documentação consultada, sobretudo as escrituras cartoriais
revelaram que no final da década de 1830 e na década de 1840, os maiores comerciantes
de Ouro Preto, com trânsito regular no Rio de Janeiro, já experimentavam a prática
associativa, embora existam poucas referências e contratos para a análise.
Os irmãos José Batista e Carlos de Assis Figueiredo, ambos já comerciantes, se associaram
em 1845, com firma sob a razão social, José Batista de Figueiredo e Irmão. A partir
de então passaram a registrar sob tal nome as hipotecas nas quais eram credores, por
venda de gêneros no atacado ou empréstimos. Também na década de 1840, Tristão Francisco
Pereira de Andrade estabeleceu sociedade de loja com seu filho, Manoel Pereira de
Andrade e genro, Bernardo Lopes de Aguiar, a Andrade & Aguiar.13
Outras experiências associativas ocorreram com aqueles que estabeleceram firma no
Rio de Janeiro. Francisco de Paula Santos, foi sócio da Penna Santos & Cia., fornecedora
de fazendas para algumas lojas em Ouro Preto, casa que também descontava letras e
agenciava a venda de apólices da dívida pública provincial mineira na Corte. Depois
disso o mesmo comerciante abre a Santos & Irmão, na Rua dos Pescadores, em sociedade
com seu irmão mais novo, Joaquim José dos Santos Junior, que passara a intermediar
os negócios financeiros do comendador no Rio. Também já mencionada, a Guimarães Lagoa
& Cia. operou na década de 1840 com o atacado de molhados, tendo Silvério Pereira
da Silva Lagoa, como sócio ouro-pretano.14
O enriquecimento com o comércio de escravos, de ouro e com a mineração subterrânea,
principalmente com os investimentos ingleses, animou José Peixoto de Souza abrir uma
grande casa comercial no Rio de Janeiro, em sociedade com os ingleses Salomon Bennaton
e João Morgan Junior, em 1839. O contrato particular, registrado somente cinco anos
depois no cartório de Ouro Preto, informava o fundo de 150 contos de réis, na sociedade
de tipo coletivo. As 16 cláusulas são muito claras na separação dos negócios individuais
daqueles da sociedade, na definição de despesas e divisão das tarefas. Ficava estabelecido
que os dois ingleses promoveriam a casa no Rio de Janeiro, enquanto Peixoto de Souza,
em Minas Gerais. Além disso, os primeiros tratariam com os correspondentes ou agentes
da casa no interior. Não fica claro o objeto de comércio da casa, mas os indícios
sugerem se tratar do comércio de fazendas, de escravos e talvez do ouro, utilizando
o pagamento de comissão para correspondentes da casa, a começar pelo próprio José
Peixoto de Souza.15
Apesar das iniciativas entre os mais ricos, os investimentos e métodos tradicionais
ainda predominavam. Até meados do século xix, o investimento em bens de raiz (imóveis) era o maior sinônimo de segurança e da
garantia de perpetuação do patrimônio. Isto fez com que a corrida especulativa, gerada
pelo comércio de ações, após o fim do tráfico e do Código Comercial,16 sofresse críticas e desconfiança. Interesses sociais mais conservadores, ligados
à agricultura, foram fundamentais para o estabelecimento de legislação que limitava
a criação e desenvolvimento das sociedades anônimas ou sociedade de capital, base
da incipiente industrialização e do setor bancário.17
Ao operarem com diversos sócios que compravam ações, injetando capitais e sendo administradas
por um mandatário, as sociedades anônimas permitiam a associação de capitais, para
investimento em setores que necessitavam de grandes somas. Para o mercado nacional,
os títulos das empresas passaram a corresponder por mais um ativo, que se somaria
aos bens de raiz (imóveis urbanos e rurais), a escravos e apólices da dívida pública,
no leque de opções de diversificação pela elite econômica.
Em Ouro Preto, as empresas de mineração, criadas com capitais associados ingleses
e com participação de locais, foram as iniciativas de sociedade de capital mais presentes
na região. A onda da mineração subterrânea se iniciou anos de 1820, tendo se estabelecido
dezenas de empreendimentos na região. Somente as grandes empresas prosperaram, mas
o ambiente dos negócios que giravam entorno delas era, sem dúvida, mais formalizado
e profissional. Os dois maiores negociantes da cidade nos anos de 1840, Francisco
de Paula Santos e José Peixoto de Souza, vendiam ou alugavam escravos para essas companhias,
além de intermediar seus negócios com a comunidade mercantil local, como atesta nosso
estudo anterior (Andrade, 2012). Depois de 1850, o próprio governo provincial passou a estimular a existência desse
tipo de companhia para negócios que exigiam grandes somas de capitais, como fábricas
de tecidos, Navegação e transportes (Andrade, 2013, p. 287).
Investimentos e instituições financeiras
Como temos visto, em Minas Gerais, a associação de capitais para formar firmas comerciais
ou financeiras praticamente inexistiu na primeira metade do século xix. Em 1846, o presidente da província instou negociantes e capitalistas da possiblidade
de se criar um banco comercial com sede em Ouro Preto, mas não obteve sucesso.18
Talvez o que faltava na província não eram exatamente os capitais, mas a disposição
dos grandes negociantes situados nos mais diversos pontos urbanos em torno de um projeto
centralizado na capital. Aliás, nem mesmo havia uma associação que agremiasse os comerciantes
da província, como a Associação Comercial da Bahia, a Sociedade dos Assinantes da
Praça Comercial do Rio de Janeiro, ou a Associação Comercial do Rio Grande.19 A constituição de grandes fortunas mercantis e usurárias caracterizou-se pela concentração
nas mãos de poucos homens, em pontos diversos da província. Eles eram ligados por
suas redes de comércios e familiares, mais diretamente aos congêneres do Rio de Janeiro
do que os do interior de Minas Gerais. Portanto, com pouquíssimas possibilidades de
constituir um grupo de interesses.20
No entanto, a forma urbana de riqueza já estava muito presente nas principais cidades
mineiras. Tanto em São João del Rei quanto em Ouro Preto, as fortunas de negociantes
encarnavam esse perfil. Predominavam as dívidas ativas, decorrentes de empréstimos,
imóveis urbanos e, no avançar da segunda metade do século xix, apólices da dívida pública, ações e depósitos bancários. Nesse sentido, temos um
processo de diversificação de investimentos, mantendo o caráter urbano, com traços
de modernização, como ocorreu em Salvador, onde profissionais liberais, funcionários
públicos, negociantes e rentistas representavam esse perfil (Mattoso, 1992).
Na passagem para a segunda metade do século xix, houve um processo de descolamento da elite usurária-rentista-capitalista do conjunto
de comerciantes lojistas estabelecidos, a quem, por tendência, restaria o pequeno
crédito e instável negócio de compra e venda de mercadorias. O grande crédito e os
investimentos financeiros ficariam reservados aos primeiros, diferente da realidade
das décadas anteriores, quando comerciantes lojistas tradicionais dominavam o setor
financeiro (Andrade, 2013).
A análise dos inventários post-mortem, escrituras cartoriais, relatórios governamentais e do Banco do Brasil, permitiu-nos
identificar que um pequeno grupo passara a investir parte de seus capitais em apólices
da dívida pública, ações e depósitos bancários. O mais significativo é que na medida
em que surgiam essas novas práticas, o vínculo com a loja, antes condição obrigatória
para se envolver no negócio financeiro, vai desaparecendo (Andrade, 2013, pp. 303-310).
O Rio de Janeiro protagonizou a transformação do perfil de investimentos. Uma modernização
que se operou muito mais no setor financeiro do que no produtivo rumo à industrialização,
embora este último também estivesse em crescimento. Nesse caminho, Fragoso e Martins
analisaram a transformação do empresariado do Rio de Janeiro:
Em princípios do século xix o negociante de grosso trato não só controlava setores vitais do comércio –tráfico
de escravos, importação-exportação e abastecimento– como também desempenhava o papel
de usurário. Em suas mãos encontrava-se a liquidez do mercado. Já na segunda metade
do oitocentos, esta elite econômica passou a concentrar suas atividades, principalmente
na banca, deixando pouco a pouco o grande comércio entregue a outros segmentos do
empresariado, e especializando-se nos empréstimos (Fragoso e Martins, 2003, p. 149).
Obviamente, não se trata de comparar os agentes estabelecidos em Ouro Preto com os
grandes exportadores, comissários, industriais, banqueiros e rentistas do centro do
império, mas identificar o sentido que orientava as mudanças das práticas dos agentes
econômicos urbanos.
Estamos nos referindo aos chamados capitalistas, termo que não possui, até meados
do século xix, a mesma conotação de hoje. Capitalista era aquele que possuía dinheiro ou capital.
Braudel (1996) explica o sentido que surge no século xviii: “Detentores de ‘fortunas pecuniárias’ é o sentido estrito que a palavra capitalista
assume na segunda metade do século xviii, quando designa os possuidores de títulos públicos, de valores imobiliários ou de
dinheiro líquido para investir” (p. 204).
Era com esse significado que a palavra aparecia em muitas referências do século xix, inclusive, na formação dos grandes empreendimentos bancários do Rio de Janeiro.21 Na Bahia, a designação capitalista era, como afirma Kátia Mattoso (1992), “comumente conferida a esses ex-comerciantes que permaneciam ligados aos negócios,
fosse pela participação em outras sociedades comerciais, fosse investindo seu dinheiro
em empreendimentos bancários ou industriais” (p. 643). Nas zonas cafeeiras de Lorena,
em São Paulo, e de Paraíba do Sul, no Rio de Janeiro, grandes fazendeiros também diversificavam
suas atividades, empregando excedentes em ações, apólices e no crédito hipotecário,
tornando-se proprietários capitalistas (Marcondes, 1998).
Perseguindo a trajetória mercantil de muitos comerciantes de Ouro Preto, identificamos
que uma parte deles passou de agente comercial-creditício para investidor capitalista.
Foi possível identificar que 26.5% dos valores inventariados entre os negociantes
e rentistas da cidade estavam revertidos em dívidas ativas e 37%, em apólices, ações
e depósitos bancários. Já entre os negociantes de São João del Rei, outra importante
praça do interior mineiro, havia 47.11% em dívidas ativas e 26.43% em ações e apólices
da dívida pública (Graça Filho, 2002).
Essa diferença se explicaria por dois motivos principais: o primeiro é o fato desses
negociantes estarem na sede administrativa. Os sucessivos empréstimos provinciais,
editais em que o governo emitia títulos, causavam maior atração aos negociantes-rentistas
de Ouro Preto. O outro motivo é o fato de as jazidas auríferas já não despertarem
grande euforia e a agropecuária da região central da província não ter os mesmos níveis
de mercantilização do que a da comarca do Rio das Mortes, sediada em São João, por
exemplo. Esses fatores unidos à própria limitação do comércio local fizeram com que
alguns dos maiores negociantes ouro-pretanos migrassem seus capitais para ativos mais
seguros.
Segundo Bárbara Levy (1994), os títulos públicos significavam um porto seguro, tanto para o produtor quanto para
rentistas urbanos, pois produziam rendimentos certos e estiveram imunes às crises
financeiras do século xix.
No final da década de 1830 e na década de 1840, o governo provincial lançou mão de
alguns editais para a venda de apólices da dívida pública, com o objetivo de financiar
a construção da Estrada do Parahybuna, eixo importante que agilizaria a ligação entre
Minas Gerais e o Rio de Janeiro. No início das operações, foi fundamental a atuação
do maior negociante de Ouro Preto, Francisco de Paula Santos. A casa comercial da
qual era sócio no Rio de Janeiro, a Pena Santos e Cia., realizava, sob comissão, as
negociações e pagamentos de juros das apólices mineiras na capital do império. O valor
nominal das apólices era de 500 000, mas o valor real era mais baixo, de modo a atrair
os investidores que receberiam juros de 6% do valor nominal.22
O próprio Paula Santos faria uma grande compra em sociedade com o também negociante
José Peixoto de Souza no ano de 1841. Na oportunidade, 310 apólices (170 000 000)
foram arrematadas por 62% de seu valor nominal (105 000 000), configurando um negócio
vantajoso para a dupla, uma vez que nos anos posteriores, os valores pagos pelo governo
para amortização das dívidas chegaram a 73 e 89% do valor nominal.23 Os dois maiores negociantes de Ouro Preto, na década de 1840, beneficiaram-se do
fato de estarem sediados no centro político e administrativo da província para realizarem
as transações que os transformaram em raros exemplos de capitalistas do interior do
Brasil.
Em 1847, o comendador Paula Santos combinou com o presidente que participaria de mais
um empréstimo provincial.
Sendo hoje o dia assinado para a apresentação das propostas sobre o empréstimo provincial,
que se vai emitir, como foi anunciado em edital de 22 de outubro passado, tenho que
propor à V. Ex, que estou pronto a tomar todo o empréstimo, entretanto, como V. Ex.
em conferência particular, concordou comigo em abrir uma espécie de praça entre os
concorrentes capitalistas desta província, aguardo essa ocasião para oferecer as condições.
Entretanto, se não houver concorrentes estou prompto para entrar em ajustes com o
governo em qualquer dia que for designado.24
O trânsito direto com o poder provincial é explicado pelos constantes socorros que
o comendador Paula Santos, também deputado provincial, oferecia ao governo, em um
período no qual poucos eram os negociantes e proprietários que confiavam parcelas
de seus capitais aos fundos da dívida pública provincial.
Até a década de 1850, as exorbitantes taxas de juros cobradas no crédito local faziam
desse setor tradicional de investimento o prioritário para quem dispunha de capitais.
A partir do surgimento de instituições bancárias, o fim do tráfico, a consequente
diminuição de escravos disponíveis para hipoteca e a concentração do alto crédito
nas mãos de uns poucos capitalistas, é que os fundos públicos se tornariam uma opção
mais generalizada na comunidade econômica local.25
Entre os negociantes-capitalistas da cidade de Ouro Preto difundiram-se os investimentos,
principalmente, na dívida pública geral, que a partir da Guerra do Paraguai ganhou
novo impulso. O governo precisava atrair capitais para o esforço de guerra e, por
isso, passou a emitir títulos de curto prazo a 6% ao ano. A crise bancária de 1864
também estimulou uma verdadeira corrida aos títulos da dívida pública geral, na busca
por investimentos mais seguros. Até mesmo os próprios bancos viraram grandes aplicadores
nos títulos públicos, que tiveram um crescimento de emissão de 280%, nas décadas de
1860 e 1870 (Levy, 1994). Seja por segurança diante das incertezas do mercado ou para diversificar investimentos,
o fato é que os papeis do governo drenavam parte da acumulação da riqueza do país,
restringindo ainda mais a disponibilidade de crédito para o setor produtivo.
A crise do escravismo também conduziu parte das riquezas de proprietários de terras
e escravos para os títulos da dívida pública. Para Fragoso e Rios (1995), havia um sentido arcaico em tais escolhas. Esterilizar o patrimônio em ativos de
baixo risco e não investir em novas formas de produção e relações de trabalho representaria
o desejo da elite agrária de manter-se como senhores de terras e escravos, poupando
maior parte do excedente, para se precaver das incertezas jurídicas da escravidão.
Em regiões como Ouro Preto, com baixos níveis de mercantilização das produções locais
e com um comércio débil, essa opção de investimento veio a calhar, garantindo segurança
patrimonial e uma espécie de aposentadoria. Se de um lado havia esse caráter conservador,
por outro, tal movimento significou a diversificação e modernização de ativos, uma
vez que o comércio lojista e o crédito pessoal perdiam em lucratividade devido à multiplicação
da concorrência e dependência dos comerciantes das grandes firmas bancárias e importadoras.
Com seus robustos depósitos bancários, dezenas de apólices da dívida pública, domínio
do crédito hipotecário e da direção de instituições financeiras, os capitalistas reforçavam
o abismo que separava o comerciante de fazendas secas, outrora senhor da vida financeira
urbana, dos grandes e mais lucrativos negócios.26
Outro importante agente investidor de Ouro Preto foi sua caixa econômica particular,
que, desde 1838, passou a reunir o pecúlio da população local e investir em títulos
da dívida pública e em outros ativos financeiros.
O rastreamento dos relatórios de presidente de província permite identificar que a
criação da caixa econômica também corresponderia a um arranjo político. A casa comercial
de Francisco de Paula Santos, sempre ele, seria a responsável pela compra das apólices
e recebimento dos juros, com pagamento de comissões. Para a província, a vantagem
clara seria a de ter mais uma fonte de financiamento das despesas públicas. Em outras
regiões do império, as caixas econômicas também socorriam as finanças provinciais,
canalizando as economias acumuladas das populações urbanas.
Pelo que consta nos relatórios das décadas de 1850 e 1860, o sucesso da Caixa de Ouro
Preto fez com que pessoas de todas as classes passassem a poupar na instituição, que
ganhou credibilidade com os bons dividendos e com a segurança dos investimentos administrados
pela casa comercial de Francisco de Paula Santos. Os balanços anuais eram sempre positivos
na diferença entradas-saídas e o fundo crescia a cada relatório financeiro, que apresentava
ainda a compra de ações do Banco do Brasil (Minas Gerais, 1830).
A caixa econômica particular de Ouro Preto, mesmo não sendo uma instituição de crédito
e descontos, foi um importante instrumento de modernização e de profissionalização
das práticas financeiras. Sua principal característica foi a identidade marcadamente
ouro-pretana, mas com uma gestão financeira conectada ao mercado nacional. Possuía
um padrão contabilístico interno bastante simplificado: armazenava as cadernetas dos
depositantes, em que era registrado o movimento individual com entradas, saídas e
dividendos.27
O prestígio e a prosperidade da caixa econômica indicam que a economia urbana de Ouro
Preto passava por um gradual processo de financeirização e isso, logicamente, incluía
as transformações vividas pelo capital e pelas práticas mercantis.
A caixa filial do Banco do Brasil
O processo de institucionalização da vida financeira brasileira estava em curso com
as medidas legislativas do final da década de 1840, as quais deram confiança e tornaram
mais previsíveis os investimentos. Uma reforma bancária de 1853 fundiu o Banco Comercial
do Rio de Janeiro com o Banco do Brasil de Mauá. O objetivo do governo era conter
a excessiva liquidez do mercado, centralizando e restringindo as emissões de moeda
(Levy, 1994).
Inicialmente, a capilarização do banco se daria da seguinte forma: as caixas filiais
do antigo Banco do Brasil de Mauá, em São Paulo e São Pedro do Rio Grande do Sul,
foram incorporadas. Os Bancos Comerciais da Bahia, Pernambuco, Maranhã e Pará foram
transformados em caixas filiais. As composições dos capitais de todas elas foram feitas
com as disposições acionárias, constituídas anteriormente. Já a caixa filial do Banco
do Brasil em Minas Gerais foi a única instituição a ser criada, o que completaria
o círculo das mais ricas províncias alcançadas pelas operações de crédito e emissões
do novo Banco do Brasil. Essa também foi a única a ser encampada com fundos próprios
da matriz do Rio de Janeiro (Brasil, 1854).
Existem fortes indícios da participação direta do nosso já conhecido comendador Francisco
de Paula Santos nesse processo. O primeiro indício está no assíduo envolvimento de
seu irmão mais novo, Joaquim José dos Santos Junior, sócio da Santos & Irmãos, localizado
na Rua dos Pescadores, no Rio de Janeiro, durante a formação do Banco do Brasil. Santos
Junior foi presidente da Sociedade dos Assinantes da Praça do Rio de Janeiro,28 entre 1854 e 1856, cargo que comandava a representação de demandas da classe mercantil
carioca. Além disso, compôs a diretoria do Banco Comercial do Rio de Janeiro, em 1853,
quando houve a referida fusão com o Banco Brasil de Mauá. A partir de então, fez parte
da diretoria do novo Banco do Brasil até 1858 (Piñeiro, 2002).
O início da década de 1850 coincide com a ascensão política de Paula Santos. Depois
de três mandatos como deputado da Assembleia Provincial, foi eleito para a assembleia
geral, na qual permaneceria por seis mandatos. Em 1854, recebeu a Comenda da Ordem
da Rosa. Um ano depois, fora eleito para diretoria do Banco do Brasil, permanecendo
até 1863. O deputado participou assiduamente dos debates parlamentares sobre reformas
no Banco do Brasil.
Em 1853, no calor das discussões da reforma, o comendador criticou os propositores
do projeto, ao observar que “a classe dos homens práticos, a humilde classe dos homens
práticos que eu tenho a honra de representar nesta casa, não está tomando parte nos
debates” (Brasil. Câmara dos Deputados, 1853). Suas intervenções sempre caminhavam no sentido de defender a disponibilidade de
crédito e moeda sonante, fundamentais para o comércio e agricultura.
No período de constituição do estatuto da caixa filial de Ouro Preto, que serviu de
base para as outras, seu irmão Joaquim José dos Santos Junior era um dos diretores
da matriz. É importante observar que o período entre a aprovação do estatuto pelo
Conselho de Estado e a efetiva abertura da caixa,1856, coincidiu com o ano em que,
tanto Santos Junior quanto o comendador Paula Santos, faziam parte da diretoria, que
era composta por quinze membros.
A decisão de instituir a caixa filial em Ouro Preto, apesar de São João del Rei ser
a cidade mais rica e comercialmente mais movimentada da província, seguia o fato lógico
de ser a capital de onde poderia emanar o crédito e a política monetária. Porém, também
pode ter contado com a influência política de nomes como o comendador Paula Santos,
o deputado conservador Manoel Teixeira de Souza, futuro Barão de Camargos, e o ouro-pretano,
Honório Hermeto Carneiro Leão, o marquês do Paraná, chefe do gabinete da Conciliação
e ministro da Fazenda.
A composição da diretoria da caixa filial sugere que a influência política dos negociantes,
proprietários e rentistas de Ouro Preto também foi fundamental (ver tabela 1).
Tabela 1
Diretoria da Caixa Filial do Banco do Brasil em Minas Gerais
Cargo |
Nome |
Profissão |
Atuação |
Presidente
|
Marçal José dos Santos
|
Advogado
|
Irmão de Francisco de Paula Santos; atuava no mercado de crédito local.
|
Diretor
|
Francisco Teixeira do Amaral
|
Advogado
|
Atuava no mercado de crédito local; escritório e residência na Rua São José.
|
Diretor
|
David Moretzsonh
|
Negociante
|
Atacadista de fazendas secas na Rua São José; atuava no mercado de crédito local.
|
Tesoureiroa |
João Antônio Afonso
|
Negociante
|
Negociante na Rua Direita; foi o primeiro tesoureiro da caixa econômica.
|
O presidente da instituição era o advogado, irmão mais novo e representante dos interesses
de Francisco de Paula Santos, Marçal José dos Santos. Esse fato corrobora a tese da
força dos irmãos Santos na diretoria da matriz. Os outros dois membros eram figuras
conhecidas no comércio estabelecido e no crédito da cidade e, depois das nomeações,
cresceriam ainda mais seus negócios e fortuna.
Francisco de Paula Santos e Manoel Teixeira de Souza parecem ter sido os intermediários
da entrada de alguns membros da elite mercantil da cidade na cota acionária do Banco
do Brasil, em seus primeiros anos de funcionamento.
A destacada participação do comendador Paula Santos mostra, mais uma vez, a grande
dimensão de seus negócios, a diversificação de seus investimentos e o enorme peso
político, sinalizado pelos votos a que tinha direito. Sendo ele o principal mediador
político deste setor econômico, provavelmente liderou todo o processo de modernização
e reorientação de capitais da elite mercantil local. Já os membros da diretoria da
caixa filial, gravitavam em torno do poder do comendador Paula Santos, ao mesmo tempo
em que também se afirmavam como capitalistas e lideranças políticas (Andrade, 2013).
A compra de ações bancárias foi mais privilegiada pela elite local do que a de companhias
de estradas de ferro, também em expansão no período. Ademais, como o tabela 2 demonstra, eram negociantes os primeiros investidores na casa bancária o que reforça
a teses de terem sido eles, os principais investidores capitalistas de Ouro Preto.
Tabela 2
Moradores de Ouro Preto acionistas do Banco do Brasil
Acionista |
Profissão |
Ações |
Votos |
Valor investido |
Francisco de Paula Santos
|
Negociante
|
694
|
3
|
138 800 000
|
Manoel Teixeira de Souza
|
Proprietário
|
303
|
15 6
|
0 600 000
|
Marçal José dos Santos A
|
dvogado 6
|
0 3
|
1
|
62 000 000
|
Manoel de Magalhães Gomes
|
Negociante
|
35
|
1
|
7 000 000
|
Francisco Teixeira do Amaral
|
Advogado
|
30
|
1
|
6 000 000
|
David Moretzsonh
|
Negociante
|
25
|
1
|
5 000 000
|
José Batista de Figueiredo
|
Negociante
|
25
|
1
|
5 000 000
|
Carlos de Assis Figueiredo
|
Negociante
|
|
|
|
Antônio Luís de M. Musqueira
|
Negociante
|
25
|
1
|
5 000 000
|
Para além do organograma caseiro, a própria atuação da caixa filial, na primeira década
de existência acabou por revelar que sua vocação prática era atuar, quase que exclusivamente,
na capital da província. Relatórios de presidentes de província acusam a limitação
do raio de atuação da agência, que atingia, no máximo, uma parcela do comércio de
Ouro Preto e da vizinha Mariana.
Observa o digno presidente que: os saques que se fazem por esta Caixa são em geral
por conta deste e do município de Mariana, não compreendendo eles todas a remessas
que o commercio destas localidades faz para a praça do Rio de Janeiro, porquanto muitos
interessados, para evitarem o pequeno dispêndio das comissões, procuram outras vias
de remessa, arriscando o dinheiro por portadores, além do que empregam em ouro, cuja
extracção avulta nos municípios vizinhos (Minas Gerais, 1859).
Além da remessa direta de dinheiro para o Rio de Janeiro, os comerciantes mineiros
estavam acostumados a se utilizarem de uma complexa rede, que incluía a transferência
da dívida de um comerciante para outro, além do endosso de letras da terra. Rede essa
que incluía descontos de letras em casas comerciais, que também eram fornecedoras
de mercadorias, o que tornava possível o giro do comércio e a reposição dos estoques.
Dessa forma, não foi apenas o custo do pagamento de comissões à caixa filial que afastava
alguns clientes, mas a manutenção de práticas mercantis tradicionais que garantiam
a difícil sobrevivência do comerciante do interior. A institucionalização financeira
não foi uma transformação que arrastou todos os atores mercantis como uma onda civilizadora.
Ainda por décadas, a informalidade e as práticas de mercado não-institucionalizadas
se manteriam, tanto no interior, quanto nas principais cidades.
As notas do Banco não tinham curso forçado na província, ou seja, a caixa filial nunca
monopolizou a emissão. Mas a autoridade provincial defendia que o estabelecimento
poderia ser muito útil para garantir a circulação e verificar a legalidade da diversidade
do papel circulante.
No entanto, no final da década de 1850 e na década de 1860 o que se via eram casas
comerciais que emitiam vales em substituição ao papel moeda. Os relatórios provinciais
citavam, com preocupação, o caso da Almeida Reis & Cia. de Diamantina, sobre a qual
não havia qualquer controle e conhecimento dos fundos.
A polêmica com os vales comercias de Diamantina, região de um rico comércio e dinamizado
pela extração dos diamantes, sugere que a política monetária emanada do centro estava
longe, literalmente, de alcançar as praças interioranas do Brasil. Durante as décadas
de formação do sistema bancário brasileiro, a solução para o crédito e o desconto
continuo sendo local.
Afonso Graça Filho detectou o registro no Tribunal do Comércio da casa bancária, Santos
& Machado, de Diamantina, em 1863. Também na década de 1860, estreavam as casas: Jordão
& Gomes, José de Souza Lima & Cia. e Mesquita Neves e Cia., todas em Juiz de Fora.
A crescente produção cafeeira da região, o fortíssimo ramo do comércio e a agropecuária
de abastecimento estiveram na base financeira destas casas bancárias. Em São João
del Rei, algumas poderosas casas comerciais já operavam com o crédito e vales, desde
a primeira metade do século xix. Em 1860, Custódio de Almeida Magalhães, um dos maiores negociantes-capitalistas
da província, fundou sua casa bancária na cidade (Graça Filho, 2002, pp. 65-67).
O atraso do desenvolvimento do sistema bancário regular em Minas Gerais talvez esteja
ligado à dispersão de seus centros urbanos e comerciais, o que dificultava a reunião
de capitais privados, mas também à proximidade de amplas regiões com o Rio de Janeiro
e o fato de ter uma capital, que cumpria o papel de centro político, mas não econômico.
Ademais, as casas bancárias ou casas de desconto, estabelecidas nesses centros mercantis
parecem ter atendido ao chamado das demandas do mercado regional, o que corrobora
a tese de que, de uma forma ou de outra, as práticas mercantis e financeiras paulatinamente
estavam se modernizando.
Conclusão
É importante ressaltar que, mesmo Ouro Preto não sendo um grande centro financeiro,
a trajetória de suas instituições e agentes mercantis permitiu-nos, em um análise
micro focal, flagrar o processo de modernização e sofisticação de investimentos e
práticas de mercado que se processavam no Brasil em meados século xix.
Conhecedores das mais modernas formas de investimento, associações e escriturações
mercantis, os maiores negociantes da cidade seguiam o ritmo da modernização, dentro
das limitações da economia local. Por outro lado, tudo indica que a própria precariedade
do comércio e da produção agrária ouro-pretana, acentuada na segunda metade do século
xix, também fez com que os investimentos rentistas mais seguros fossem buscados.
Por outro lado, velhas tradições e estruturas sociais, também permaneciam no mundo
dos negócios. A pesquisa com inventários e escrituras cartoriais mostrou que muitos
foram aqueles que mantiveram ou abriram negócio da loja fixa, por força das conjunturas
econômicas ou mesmo pelo costume. Ademais, sendo uma sociedade escravista e fortemente
hierarquizada, signos de prestígio e honra, além de práticas políticas clientelares,
conviveram com o processo de racionalização das atividades econômicas, no campo e
nas cidades.
Na segunda metade do século xix, avançava não apenas o desenvolvimento de formas capitalistas de investimentos, mas
também a integração mercantil do interior do Estado nacional brasileiro. Moldado nos
tempos coloniais, agora o mercado interno movimentava mercadorias, mas também um conjunto
de práticas que consubstanciavam a modernização e inserção do Brasil no capitalismo
mundial.
Arquivos
ahmi Arquivo Histórico do Museu da Inconfidência.
apm Arquivo Público Mineiro.