Introdução
Mauá é, sem dúvida, uma das figuras mais conhecidas e estudadas do
império brasileiro. Diversos autores de diferentes épocas o retrataram sob
diversos pontos de vista. Ele pode ser visto, por um lado, como pioneiro do
empreendedorismo; como o espírito da livre iniciativa contra as retrógradas
amarras da monarquia imperial; como defensor da indústria e dos interesses do
país. Heitor Ferreira Lima (1976), Lídia Besouchet (1978) e, mais contemporaneamente, Jorge Caldeira (1995), o veem como o progressista, o emancipador, o pioneiro
da indústria, em suma, a personificação da aspiração capitalista e, portanto,
representante da vanguarda do desenvolvimento econômico da época. Entretanto,
forças políticas internas e externas que se sentiam ameaçadas com o seu avanço
teriam sabotado suas iniciativas e levado ao seu melancólico fim. A visão de
Mauá como herói do progresso econômico que lutava contra a opressão do Estado
imperial dominado por escravocratas cristalizou-se ao longo do tempo
transformando-o numa espécie de mito conveniente ao discurso liberalizante e
individualista, e, posteriormente, industrialista (Souza,
2007).
Por outro lado, há autores que enxergam em Mauá a encarnação do
enriquecimento por meio do tráfico negreiro, a infiltração do interesse privado
no seio da política e do Estado, e a representação dos interesses comerciais
ingleses. Embora muitas vezes apresentado como crítico da escravidão e vítima do
Estado imperial e do imperialismo inglês, Carlos G. Guimarães
(2012) nos lembra de sua ligação com os ingleses por meio de relações
pessoais e de sua casa comercial, do envolvimento dessa casa com o tráfico
negreiro e ainda de suas relações com membros da elite dos partidos conservador
e liberal no interior do Estado imperial. Flávio Saes (1987),
apesar de destacar seu pioneirismo na indústria e na construção de ferrovias,
também relativiza o mito Mauá ao vincular sua trajetória a da própria economia
mercantil e escravista do Império. A modernidade capitalista expressa em Mauá
seria uma resposta à crise dessa economia e o limite de seus negócios era dado
pela incapacidade dessa mesma economia de gerar um mercado interno suficiente
para lhe dar suporte. Embora seus negócios pudessem ter ferido interesses do
Estado imperial e do capital inglês, Mauá manteve relações próximas tanto com o
primeiro, que lhe outorgou os títulos de barão e visconde, quanto com o segundo,
com quem mantinha relações comerciais e financeiras.
Os Paradoxos de um visionário, livro organizado para
comemorar o bicentenário de seu aniversário, parecem traduzir a complexidade que
enxergamos em sua trajetória e em suas ideias econômicas, assim como o
sentimento misto de admiração e crítica verificado em obras sobre sua vida (Souza e Fossatti, 2013). Seja admirado ou criticado, essa
amostra de trabalhos sobre Mauá revela sua importância na história do Brasil e o
interesse que até hoje desperta nos pesquisadores. Embora sejam muitos os
estudos sobre esse personagem, realizados em contextos e épocas distintas, é
notável a lacuna na análise de suas ideias econômicas, exceção feita ao trabalho
de Fernandes (1974).
Charles Kindleberger (2000) considerou a agrura
econômica de 1857 como a primeira crise capitalista de alcance internacional.
Começou no Estados Unidos e alcançou o Brasil, onde fez estragos na economia e
vítimas na política com a queda do gabinete Olinda2-Souza-Franco. Este último foi ministro da Fazenda e adotou
a pluralidade de emissão no Império. Quando caiu, havia reformado o sistema
monopolista de moeda e crédito levado a efeito anteriormente pelo visconde de
Itaboraí. O gabinete que o substituiu, com Abaeté3
na chefia e Inhomirim4 na Fazenda, tentou
implementar uma contra reforma para retornar ao sistema monopolista que acabou
levando à sua rápida dissolução. Uruguaiana5
assumiu, então, a chefia de gabinete e o ministério da Fazenda entre a reforma
de Souza Franco e a contra reforma de Inhomirim (Gambi,
2015b). Hesitante, em 1859, nomeou uma comissão de inquérito para avaliar as
causas da crise que afetara a economia brasileira dois anos antes e apontar o
rumo da sua política econômica. Mauá foi um dos negociantes entrevistados neste
relatório e, por isso, seu depoimento de dois de março de 1860 constitui o marco
inicial desta pesquisa.
Aos 65 anos de idade, em 1878, falido, Mauá escreveu sua
Autobiografia. Além de descrever seu legado empresarial, era uma
oportunidade para explicar seus feitos aos acionistas das empresas ligadas a ele
e responder à série de acusações que sofria naquele momento. Entre seus feitos
empresariais estava o Banco Mauá & Cia. a partir do qual fez apreciações
sobre a moeda e o crédito no Brasil. Por isso, o ano em que escreveu sua
Autobiografia encerra o período de investigação.
Em síntese, o objetivo deste trabalho é verificar o que pensava Mauá
sobre o progresso econômico, a moeda e o crédito, e o câmbio, a partir de seu
depoimento ao relatório oficial sobre a crise de 1857, dos artigos que escreveu
sobre o meio circulante intitulados “Questões econômicas: a situação monetária
do Brasil”, publicados no Jornal do Comércio em abril de 1878,
posteriormente compilados em O meio circulante do Brasil, e,
finalmente, de sua Autobiografia.6
Neste artigo, aprofundaremos a análise de suas ideias econômicas
tentando sistematiza-las; situaremos sua posição no contexto das disputas
políticas do Império e de sua atuação em diversos empreendimentos, inclusive
bancos. Além disso, no decorrer da análise, consideraremos subsidiariamente sua
experiência como negociante, sua relação com os ingleses e tentaremos
identificar suas influências teóricas.
Seria possível falar num pensamento econômico de Mauá? Pode-se dizer
que suas ideias sobre moeda e crédito eram coerentes e articuladas a uma
concepção de desenvolvimento do Império. Mirava a realidade brasileira, suas
dificuldades e potencialidades, com notável clareza quanto à especificidade da
economia do país. Nesse sentido seu pensamento econômico se afirma (Cosentino, 2016), mas não é esta a questão essencial a nosso
ver. O importante seria verificar como a realidade brasileira da época e seus
próprios negócios moldaram suas ideias econômicas e, ao mesmo tempo, como essas
ideias apareceram no debate econômico, a fim de influenciar os rumos da política
econômica imperial, caso do período em que Souza Franco estava no ministério da
Fazenda e, especialmente, durante a crise de 1857, quando houve um movimento de
desvalorização da moeda brasileira.
Portanto, a pergunta que guia o artigo é: quais as ideias de Mauá
sobre o progresso econômico, a moeda e o crédito, e o câmbio, e sua posição no
debate econômico da segunda metade do xix? Tentaremos mostrar, nos limites dos textos analisados, como
Mauá foi uma figura típica de seu tempo, capaz de produzir ideias monetárias
coerentes que espelham tanto sua filosofia liberal como a prática dos negócios e
da política imperial.
Progresso econômico
O contato precoce de Mauá com os negócios é bastante conhecido. Vindo
do Rio Grande do Sul, onde nasceu, chegou ao Rio de Janeiro no ano da
independência quando contava nove anos de idade. Conseguiu trabalho como
caixeiro na casa comercial do negociante de grosso português, senhor de engenho
e fazendeiro de café João Rodrigues Pereira de Almeida, barão de Ubá. Depois
exerceu a mesma função na casa comercial Carruthers & Co. dirigida pelo
negociante inglês Richard Carruthers, de quem se tornaria sócio. Ambas as casas,
entre outras coisas, negociavam escravos. Era comum, nas décadas de 1830 e 1840,
a associação entre traficantes de escravos brasileiros e firmas da Europa e
Estados Unidos (Guimarães, 2012; Martinho e
Gorenstein, 1992; Tavares, 1988).
Ao contrário de dois de seus principais interlocutores no debate
econômico, Mauá não teve formação acadêmica. Souza Franco7 era formado em direito pela faculdade do Recife e, por
meio desse curso, entrou em contato com a economia política. Itaboraí8 formou-se em matemática pela universidade de
Coimbra e estudou economia mais intensamente quando assumiu o ministério da
Fazenda pela segunda vez em 1848 (Macedo, 1876). Já Mauá
adquiriu seus conhecimentos na prática dos negócios, sobretudo com Carruthers
(Ganns, 2011). A ausência de uma educação formal,
todavia, não o impediu de pensar o progresso econômico do país e questões
econômicas específicas que interfeririam nessa marcha.
Mauá moldaria sua visão do país e suas ideias econômicas num
heterogêneo caldo de referências que misturavam o ímpeto burguês e a nobreza
imperial, que o vinculava ao Estado; a liberdade de iniciativa e o tráfico de
escravos, que o colocava em contato com a base econômica e social do Império; a
monocultura brasileira e a indústria inglesa, que o apresentava à vanguarda do
capitalismo na época. E não ficou alheio à influência dos clássicos ingleses.
Ele compartilhava com esses economistas a ideia de que a riqueza de um país
estava na produção e não no acúmulo de metais, uma noção anacrônica segundo ele
mesmo (Brasil. Ministério da Fazenda, 1860, p. 96).
Do mesmo modo, aceitava a visão fundamental de que a livre iniciativa
individual seria o motor da realização do interesse social (Mauá,
2011b, p. 106) e, nesse sentido, o interesse dos homens de negócio do
Império se coadunariam com o interesse do país e, por conseguinte, do Estado. A
associação de iniciativas individuais seria força ainda mais eficaz para
impulsionar o progresso econômico ao reunir capitais dispersos, inclusive
territorialmente, e valorizá-los por meio do investimento em grandes
empreendimentos como ferrovias, telégrafos e iluminação pública (Mauá, 2011b, p. 128, nota 33).9
Já passada sua experiência de sucessos e fracassos nos negócios, Mauá
avaliou que, no Brasil, funcionava a lógica inversa, isto é, que os interesses
do Estado e dos homens de negócio seriam contraditórios (Mauá,
2011b, p. 118). Isso significava que o Estado, no afã de controlar a
atividade econômica e tributar, acabava prejudicando a livre iniciativa
individual. Mauá lamentava sua falta no Império, por exemplo, no caso da
construção de diques no porto do Rio de Janeiro (Mauá, 2011b, p.
155), e criticava as leis preventivas e a própria intervenção do Estado
nos casos em que havia associação de capitais (Mauá, 2011b, p.
208).
As leis preventivas eram aquelas que constrangiam a liberdade de
associação ou aplicação do capital em casos que, de acordo com ele, deveriam ser
regulados pelas convenções ou pelo mercado, e não pelo Estado (Mauá, 2011b, pp. 219-220). De fato, Mauá sofreu os efeitos dessas leis
e da interferência estatal especialmente em seus bancos. Após a fusão do Banco
do Brasil com o Banco Comercial do Rio de Janeiro fomentada pelo Estado em 1853
(Gambi, 2015b), as leis preventivas no campo da moeda e
do crédito limitaram especialmente a atuação do Mauá, MacGregor, de 1854, no
qual houve uma intervenção direta para alterar sua organização (Guimarães, 2012).
Por isso, ao mesmo tempo em que mantinha relações com o Estado e os
partidos políticos, criticava-os por produzir leis preventivas contrárias à
liberdade e, portanto, à criação de riqueza, em sua perspectiva, a pedra angular
em que se assentava a civilização moderna (Mauá, 2011b, p.
221). A ideia de que a iniciativa individual levaria ao interesse social
traz em si uma visão negativa da intervenção do Estado nos moldes da crítica dos
clássicos à política mercantilista do século xviii, em consonância com o
pensamento econômico produzido na terra da revolução industrial.10
A indústria propriamente dita era outro ponto importante na visão de
Mauá sobre o progresso econômico. É preciso lembrar que ele visitou a Inglaterra
pela primeira vez em 1840 e foi convidado por John Morgan para conhecer uma
fundição (Mauá, 2011b, p. 110). Esse empreendimento era o que
ele imaginava ser uma das condições para o surgimento da indústria no Brasil. De
fato, não é difícil associar Mauá à indústria como faz o título do livro de
Heitor Ferreira Lima (1976)
Três industrialistas brasileiros: Mauá, Rui Barbosa, Simonsen, contudo,
a partir dos textos analisados, não é possível afirmar que, para Mauá, a
indústria seria uma condição essencial para o progresso econômico.
Aparentemente, ao falar de indústria e ao constituir suas próprias indústrias,
ele não tinha em mente um processo de industrialização, mas a opinião de que o
Brasil precisava de alguma indústria que pudesse se desenvolver sem grande
auxílio do Estado para ajudar em seu progresso econômico (Mauá,
2011b, p. 110).
Nesse caso, é possível perceber a influência da economia política
clássica inglesa, pois não se tratava necessariamente de alterar estruturalmente
a economia brasileira de base agrícola e mercantil, mas de dar condições
adequadas para o funcionamento do mercado e, eventualmente, para o surgimento de
indústrias propriamente ditas que pudessem se manter autonomamente. Quanto à
força de trabalho para operá-las, apesar de utilizar escravos em seus
empreendimentos, Mauá adotava uma postura crítica à escravidão, em consonância
com o espírito liberal da época.
O problema era justamente aplicar a defesa do liberalismo, a promoção
da indústria e a crítica da escravidão num país cuja economia era basicamente
agrária, mercantil e escravista. A análise da difusão e assimilação do
liberalismo econômico no Brasil remonta a Cairu no início do século xix (Furtado,
2007; Novais e Arruda, 2003; Paim,
1968; Rocha, 1996). Nota-se nele, assim como em Mauá,
a dificuldade de adaptação e aplicação do pensamento econômico liberal à
realidade econômica e social brasileira baseada na escravidão.
Em sua Autobiografia, Mauá reconstitui as histórias dos seus
empreendimentos. Em praticamente todos, ou pelo menos nos mais importantes, há
algum tipo de participação do Estado. Tomemos o caso do estaleiro Ponta d’Areia.
Há menção de empréstimos feitos pelo Estado ao estaleiro (Mauá,
2011b, p. 115);11 aparentemente, muitas
de suas encomendas eram feitas pelo Estado (Mauá, 2011b, p.
116); o mesmo Estado tornou a legislação sobre artefatos de ferro mais
liberal entre 1857 e 1860, justamente quando o grupo político ligado a Mauá
estava na direção do Império.12 A finalização da
estrada de ferro Santos-Jundiaí também contou com empréstimo estatal (Mauá, 2011b, p. 169).13
Subvenções públicas aos empreendimentos de Mauá eram debatidas
frequentemente no parlamento, como as concedidas à companhia de navegação do
Norte (Mauá, 2011b, pp. 143ss), assim como a participação
indireta do Estado em seus negócios por meio da concessão de garantia para
empréstimos e captação de recursos no exterior. Foi o caso, por exemplo, da
estrada de ferro que ligaria Recife a São Francisco.14 De acordo com Mauá, essa garantia o salvou de um
significativo prejuízo (Mauá, 2011b, pp. 150-151). Além
disso, eram comuns também os pedidos de garantia de juros por tempo determinado,
como no caso da estrada de ferro de Petrópolis (Mauá, 2011b, p.
136).
Apesar de defender a livre iniciativa e o espírito de associação,
Mauá não era simpático à concorrência em seus negócios. Reclamou da competição
com similares estrangeiros no caso da Ponta d’Areia (Mauá, 2011b,
p. 114), criticou a concessão dada pelo Estado a outro empresário para
construir uma estrada de ferro alternativa ligando o Rio de Janeiro a Petrópolis
(Mauá, 2011b, p. 140) e deteve o privilégio exclusivo da
navegação no Amazonas (Mauá, 2011b, p. 141). Esses exemplos
ilustram a relação de Mauá com o Estado e como o ideal capitalista inglês se
concretizava nos limites do Brasil. A dependência relativa que seus negócios
tinham do Estado e as restrições à concorrência não combinavam com o discurso da
livre iniciativa individual e do liberalismo de maneira mais ampla, embora Mauá
sempre as justificasse por meio da identificação de seu interesse pessoal com os
interesses do Império.
Como dissemos, os princípios liberais que vicejavam na Inglaterra
enfrentariam tensões quando aplicados nos trópicos. Mauá foi somente mais um
exemplo da expressão dessas tensões, por isso, não surpreende o discurso de viés
empresarial que apontava o Estado como obstáculo à livre iniciativa e a prática
de se aproveitar do público para proteger interesses privados e atingir
objetivos pessoais. No caso específico de Mauá, a explicação para o
distanciamento entre discurso e prática reside, a nosso ver, primeiro,
justamente no choque entre os princípios liberais e a realidade da economia
brasileira. Não seria possível aplicá-los imediatamente numa economia escravista
e numa sociedade de Corte. O próprio Mauá argumenta que a aplicação de
princípios da economia clássica não seria adequada em países onde as causas que
determinam os fenômenos econômicos fossem diversas (Mauá, 2011a,
p. 281). Em seguida, seria preciso considerar seu interesse específico
em cada negócio, pois o liberalismo de Mauá extraído de sua
Autobiografia era eminentemente pragmático.
Numa economia escravista e numa sociedade de Corte, as motivações
capitalistas ainda não estavam claramente definidas. O problema da escravidão
estava associado frequentemente à restrição de oferta de força de trabalho e não
ao limite que representava à constituição de um mercado interno. Comerciantes
urbanos faziam parte da elite do Segundo Reinado, por isso, títulos de nobreza
eram objetos de motivação tão ou mais fortes que o lucro no comércio. Mauá
recebeu o título de barão em 1854 e o de visconde em 1874 aparentemente em troca
de favores prestados ao Império, como no caso do cabo submarino (Mauá, 2011a, p. 195) e dos investimentos no Uruguai (Mauá, 2011b, p. 125).
Contudo, ele parecia de fato carregar a bandeira da modernidade
econômica ao mostrar conhecimento teórico em relação ao lucro como motivador do
progresso econômico. Era clara a percepção de que ganho e risco eram uma
condição para a aplicação do capital. Para que este fosse colocado em movimento
e gerasse riqueza seria preciso dar-lhe em retorno uma renda proporcional ao
risco que pudesse ser razoavelmente previsto. Quanto maior o risco do
empreendimento, maior deveria ser o lucro para o capitalista e o juro para o
rentista (Mauá, 2011b, pp. 145ss).
A visão do progresso econômico de Mauá passava então pela motivação
do ganho e pela liberdade de iniciativa individual e associação para obtê-lo.
Era preciso, portanto, criar condições concretas para o florescimento da
produção, seja industrial ou agrícola, e o debate sobre quais seriam essas
condições levou Mauá a pensar sobre a moeda, o crédito e o câmbio.
Moeda e crédito
O debate econômico no Brasil do século xix foi marcado pelas questões
relativas à moeda e ao crédito. Havia nele, basicamente, três posições e duas
delas espelhavam, ainda que de maneira adaptada (Gremaud,
1997; Saes, 1986), a controvérsia inglesa entre as
escolas bancária e monetária (Fonseca e Mollo, 2012; O’Brien, 2007).
Discutia-se, em primeiro lugar, a conversibilidade da moeda, ou seja,
se deveria ser feita em metal; em ativos de outra espécie; se deveria ser um
misto de metal e outros ativos; ou não haver lastro definitivamente. Segundo, se
a emissão de moeda deveria ser um monopólio e se este deveria ser público ou
privado; se a emissão deveria ser livre, feita por bancos privados, mas
regulados pelo Estado; ou se deveria ser inteiramente livre.
Para uns, a conversibilidade em metal seria condição fundamental para
a estabilidade do valor da moeda nacional e, portanto, do progresso econômico.
Desse modo, emissões e bancos deveriam ser estritamente controlados pelo Estado.
Para outros, mais importante do que a sound currency, era garantir que
a oferta de moeda suprisse a demanda de meios de circulação e crédito, e
servisse como motor das transações. Portanto, com emissões e bancos mais livres
do controle estatal haveria maior progresso econômico.
Itaboraí poderia ser encaixado no primeiro grupo e Souza Franco no
segundo, mas há controvérsia quanto à posição de Mauá. Segundo Ganns (2011), o conselheiro Pereira da Silva (2003)
inaugurou a crítica de que Mauá era um advogado do crédito ilimitado. Foi
seguido por Taunay (1948) para quem Mauá apregoava as
vantagens da pluralidade bancária e do direito lato às emissões. Na mesma linha,
Joaquim Nabuco (1998) o considerava “um espírito sempre
entrenublado pelas ficções do papel-moeda”, assim como Gustavo Barroso (1938) sustentava que Mauá era defensor de um “carnaval
financeiro”. Estabelecia-se assim a visão de que Mauá seria um partidário do
papel-moeda inconversível e da liberdade bancária.
Mais recentemente, Amaury Gremaud (1997) e André
Villela (1999) avaliaram que Mauá iria mesmo além da
escola bancária inglesa ao defender a ausência de lastro metálico em última
instância. Essa posição o distanciaria inclusive de Souza Franco, sendo este um
adepto do princípio bancário e o primeiro um papelista puro.
Já Alberto de Faria (1933, p. 253), na tentativa de
mudar essa visão que considerava distorcida, defende a ideia de que Mauá nunca
teria sido um partidário do papel-moeda ou de emissões inconversíveis. Prova
disso seria a atuação de seu banco no Uruguai, que realizava a conversão de suas
notas à vista e em ouro; e o fato de Mauá nunca ter solicitado ao Estado emissão
para seus bancos.
A prova não convence muito, uma vez que os bancos de Mauá tinham que
se submeter à legislação dos países em que atuavam, e se a conversibilidade em
metal fosse exigida, eles assim teriam que proceder, mesmo que seu proprietário
discordasse da exigência. É preciso lembrar ainda que Mauá tentou fugir da
regulamentação estatal, inclusive sobre emissões, ao criar o Mauá, MacGregor
como uma sociedade em comandita por ações e não como sociedade anônima. Ele
aproveitaria brechas legais para fazer emissões, mesmo porque sabia, pelo menos
entre 1853 e 1864, com exceção do biênio 1857 e 1858, que não haveria espaço
para solicitar emissão enquanto vigorasse o monopólio do Banco do Brasil.
Alberto de Faria (1933) talvez nem precisasse de
exemplos para sustentar seus pontos. Bastaria citar o próprio Mauá que, em seus
artigos sobre o meio circulante, dizia-se contrário ao livre arbítrio em matéria
de moeda e bancos e favorável a medidas restritivas (Mauá, 2011a,
p. 287). Porém, a nosso ver, é preciso considerar cuidadosamente essa
posição, já que poderia significar uma precaução contra-ataques dos adversários
no debate monetário, e mais, formalizar o papel-moeda fiduciário no país
enfrentaria resistências talvez intransponíveis não só entre os defensores do
metal, mas também entre aqueles que defendiam o papel-moeda com lastro em ativos
de outra espécie.
Apesar da interpretação de Alberto de Faria (1933),
a leitura das fontes utilizadas neste artigo parece não deixar dúvida de que
Mauá era um defensor do crédito e, portanto, crítico da conversibilidade em
metal e do monopólio de emissão (Mauá, 2011b, p. 208). A
questão é saber se advogava um papel-moeda conversível em ativos que não o metal
ou o papel-moeda inconversível.
Mauá via o crédito como uma alavanca para os negócios nas sociedades
desenvolvidas e, assim como pensava Souza Franco (Gambi,
2015a), seria fundamental no Brasil para converter um abundante capital
inerte em instrumentos de produção (Mauá, 2011b, p. 216).
Teoricamente, mesmo que o crédito não fosse considerado em si capital, seria
criador de capital.
Com essa visão do crédito, Mauá entrou no negócio de banco em 1850,
entretanto, não se pode perder de vista que ele se aproveitou naquela ocasião da
disponibilidade de capitais liberados pelo fim do tráfico negreiro e da
conveniência de ter um banco para eventualmente financiar seus outros negócios.
Claúdio Ganns (2011, p. 85) afirma que, com seus
bancos, Mauá levaria capital para a atividade industrial. Contudo, a análise dos
descontos feitos tanto pelo Banco do Brasil quanto pelo Mauá, MacGregor,
realizada por Guimarães (2012, p. 176), indica que seu
crédito era quase integralmente destinado a operações comerciais. De acordo com
o autor, a atuação do banco revelava mais a permanência de uma “cultura de
negócios” mercantil do que uma forma de atuação do capital financeiro ou de um
conglomerado. Este é para nós um indício de que Mauá preocupava-se antes com o
crédito para o aumento da produção, mesmo que agrícola, e do comércio no Brasil
do que propriamente com sua industrialização.
E o crédito estava intimamente ligado à moeda. Apesar das
divergências quanto à posição de Mauá sobre a moeda, há concordância quanto à
sua crítica à moeda metálica, segundo Fernandes (1974), uma
crítica científica ao padrão-ouro. Distinguimos quatro argumentos que a embasam.
Primeiro, a moeda metálica desviava recursos da produção, uma vez que se teria
de direcioná-los para a compra de metais, e depois esses metais ficariam parados
como fundo de reserva dos bancos.
Segundo, ela não tinha elasticidade suficiente para atender o aumento
da demanda por moeda e crédito no país. Com a moeda metálica, a regra seria a
escassez de meio circulante e de recursos para empréstimos. A situação seria
ainda mais grave em caso de crise, quando haveria saída de metais e,
consequentemente, encolhimento da oferta monetária.
Terceiro, dadas as condições da economia brasileira, Mauá avaliava
como impraticável a conversibilidade metálica, a não ser em momentos
excepcionais. De acordo com ele, haveria duas alternativas impostas pela razão e
pela ciência para se ter moeda metálica no país: um aumento de produção
suficiente para garantir superávits comerciais e, consequentemente, a entrada de
metais, ou tomar crédito no exterior para conseguir importar metais (Mauá, 2011a, p. 293). Em sua visão, no Brasil, a primeira
hipótese seria difícil de alcançar; a segunda, uma estultice, pois os
empréstimos externos para manter o valor da moeda, expediente utilizado pelos
defensores da moeda metálica (Gambi, 2015b), só se
justificariam se as circunstâncias econômicas do país fizessem esse capital
permanecer por longo prazo, o que não era o caso, uma vez que o capital
emprestado refluía assim que o câmbio se valorizava (Mauá, 2011a,
p. 294). Assim, a moeda conversível em metal seria apenas o sonho
dourado dos homens da escola metálica.
Finalmente, o fato de considerar a moeda metálica um dogma sustentado
pela autoridade de economistas estrangeiros. O debate na Inglaterra, na França,
no Estados Unidos e no Brasil indicavam que havia dúvidas quanto ao melhor
sistema monetário e bancário a ser seguido (Mauá, 2011a, p.
287) e isso desautorizava a escolha da conversibilidade metálica como
única alternativa.
Para Mauá, o fundamental era conseguir uma oferta monetária
suficiente para atender, sem excessos, as transações de todo o Brasil. Era
importante considerar as necessidades das províncias e não só da Corte, ponto
que Mauá e Souza Franco criticavam em seus adversários defensores da moeda
metálica, como Tavares Bastos e Itaboraí (Mauá, 2011b, p.
210). Nesse sentido, o papel-moeda poderia ser de qualquer sorte, mas é
evidente que o papel conversível em metal, além de imobilizar recursos que
poderiam ser destinados à produção, não teria flexibilidade suficiente para
atender aquela exigência, restando, portanto, o papel conversível em ativos ou
mesmo inconversível.
Numa analogia com as ferrovias, Mauá dizia que não importava se os
vagões fossem feitos de mogno ou pinho, o importante é que existissem em
quantidade suficiente para transportar toda a mercadoria. Sem vagões suficientes
não haveria transporte, assim como sem meio circulante suficiente não haveria
transações. Em ambos os casos, a riqueza ficaria paralisada contra o interesse
social (Mauá, 2011a, p. 302).
A moeda conversível seria preferível desde que houvesse amplos
recursos para mantê-la. Porém, em circunstâncias especiais, essa moeda poderia
ser temporariamente substituída com vantagem, e enfatiza Mauá “com grande
vantagem mesmo”, pelo papel inconversível de bancos com grande capital e
credibilidade (Mauá, 2011a, p. 283).
Apesar das divergências entre os estudiosos de Mauá, parece clara sua
posição quanto à moeda. Ele se colocava como um convicto defensor do liberalismo
e por isso buscava vincular o problema monetário à questão. Teoricamente,
sustentava, em primeiro lugar, a moeda conversível em ativos que não o metal,
pois ela não traria o inconveniente da imobilização de recursos e teria
flexibilidade suficiente para acompanhar o aumento da demanda por moeda e
crédito. Em caso de crise, em que a elasticidade dos títulos não acompanhasse a
necessidade do crédito, a moeda inconversível seria o instrumento mais adequado
para amenizar seus efeitos e manter a economia funcionando. Em outras palavras,
conversibilidade em ativos que não o metal como regra e inconversibilidade como
exceção.
De qualquer modo, o lastro metálico estaria descartado, posição que,
de fato, o afastaria tanto de Souza Franco quanto da escola bancária inglesa.
Entretanto, dada a situação excepcional da economia brasileira, que convivia com
a escassez de metal, moeda e crédito, a moeda inconversível seria regra no
Império e, segundo Mauá, teria prestado enorme serviço ao seu progresso
econômico.
Se o metal ou outros ativos serviriam como base do valor da moeda
conversível, o movimento de oferta e demanda expressaria o valor da moeda
inconversível, portanto, esse valor só poderia se manifestar se houvesse
liberdade bancária e pluralidade de emissão. A ausência de limite para as
emissões era o principal argumento contrário à posição de Mauá e seus
adversários enxergavam no abuso de emissão a causa principal das crises
financeiras do Império (Gambi, 2015b). Como a emissão dos
bancos costumava entrar em circulação como moeda, haveria necessidade de
regulá-las para melhor controlar a oferta monetária.
Mauá, contudo, acreditava que o próprio funcionamento do mercado com
maior liberdade bancária seria suficiente para regular as emissões, ainda mais
porque bancos locais, ao concentrarem informações sobre aqueles mercados
específicos, saberiam definir com maior facilidade a oferta de moeda capaz de
satisfazer a demanda (Mauá, 2011a, p. 290), ou seja, os
bancos naturalmente emitiriam na medida da necessidade do comércio.
Na prática, isso significava que chegariam a uma oferta monetária
adequada por meio da experimentação. Muito diferente dos defensores da moeda
conversível em metal, para quem o indicador do valor da moeda seria o câmbio, e
mesmo dos que advogavam a moeda conversível em outros ativos, que viam na taxa
de juros o termômetro regulador. Mauá descartava o primeiro porque, como
veremos, não via relação entre o valor da moeda nacional e do câmbio. E o
segundo porque não expressava adequadamente a relação entre oferta e demanda de
capital num país tão extenso e diverso quanto o Brasil. Assim, recomendava: “nas
condições da existência especiais do nosso papel-moeda, não é possível arrancar
da ciência dados positivos; experimente-se pois!” (Mauá, 2011a,
p. 297).
Mauá não usa o termo, mas parece aplicar em sua análise a lei do
refluxo (Glasner, 1992, p. 896), segundo a qual bancos
privados não poderiam criar uma emissão inflacionária, porque o próprio mercado
os induziria a oferecer a oferta de moeda que o público desejasse manter.15 Contudo, como já mencionado, Mauá (2011a, p. 287) chega a dizer que, apesar de se considerar
sectário da ideia liberal, não defendia o livre arbítrio na matéria monetária e
afirma pelo menos uma vez em O meio circulante do Brasil a necessidade
de leis restritivas que garantissem solidez à moeda. Falava no relatório da
comissão de inquérito de 1859 em conter as emissões por meio de certos limites
definidos em lei e em manter uma concorrência regulada por lei para evitar o
abuso emissor (Brasil. Ministério da Fazenda, 1860, p.
96). Essa era claramente a posição de Souza Franco (Gambi, 2015a; Schulz, 2013), mas não
parece coerente com a posição de Mauá em diversas outras passagens de O meio
circulante e mesmo de seu depoimento à comissão de inquérito.
Nelas surgem muito mais condenações à intervenção do Estado na
matéria. Ele separa habilmente leis preventivas e restritivas, dizendo que as
primeiras são espúrias, pois impedem o atendimento adequado da demanda por moeda
do comércio, e as últimas seriam necessárias para conter abusos. Porém, em O
meio circulante, refere-se ao “direito de se fazer tudo aquilo que a
lei não proíbe, não tendo a lei o direito de proibir senão o que pode prejudicar
a terceiros” (Mauá, 2011a, p. 287) ou, ao criticar a atuação
do governo imperial à época da lei dos entraves,16 diz que coibir a emissão dos bancos “por meio de leis
restritivas e garantidoras era a missão dos estadistas” (Mauá,
2011a, p. 287). No depoimento, diz que “a circulação de um papel
bancário, bem garantido embora inconversível, uma vez que sua emissão seja
contida por certos limites definidos em lei, é um grande bem” (Brasil. Ministério da Fazenda, 1860, p. 96); que “o mais eficaz
corretivo das emissões desregradas é a concorrência” e que o ideal seria a
concorrência ilimitada, mas ressalva que o país ainda não estaria pronto para
essa “conquista” (Brasil. Ministério da Fazenda, 1860, p. 97).
Como também já indicamos, uma possível explicação para essas duas
posições aparentemente dissonantes é a inserção política desse discurso num
campo inóspito a extremismos e o objetivo de fundo de influenciar a política
econômica do Império. Por mais que defendesse a liberdade bancária e a
pluralidade de emissão, talvez quisesse evitar que suas ideias fossem
interpretadas pelos adversários como a defesa do “carnaval financeiro”.
Além disso, quando Mauá fala em leis restritivas parece ser referir à
coibição do abuso na administração dos bancos e não à restrição formal às
emissões (Mauá, 2011a, p. 289). Essa posição é muito mais
coerente com alguém que via na emissão inconversível, ou pelo menos conversível
em ativos que não o metal, a elasticidade suficiente para fomentar a produção e
atender à demanda por moeda, sobretudo, do comércio.
Outra dissonância seria ver o defensor da pluralidade bancária ocupar
a diretoria do Banco do Brasil criado em 1853 para ter o monopólio da emissão de
moeda no país. Para ser justo nesse caso, é preciso considerar a conjuntura em
que se deu a criação do Banco do Brasil. Mauá era o presidente de um dos bancos
que se fundiram para sua criação e nada mais natural que ocupasse lugar na
direção do novo banco. Mais do que isso, ele esperava mesmo ocupar a liderança
na nova instituição, o que acabou não acontecendo (Gambi,
2015b; Guimarães, 2012). Em sua
Autobiografia, Mauá disse que não seguiu suas convicções por
condescendência, pois não queria contrariar Itaboraí, então ministro da Fazenda
(Mauá, 2011b, p. 215). Fora do Banco do Brasil, ele
arquitetou o Mauá, MacGregor cuja missão seria justamente expandir o crédito por
meio de emissão, numa tentativa de contornar uma lei preventiva da época (Gambi, 2015b; Guimarães, 2012).
Mauá reconhecia o problema da flutuação do valor da moeda em casos de
emissão inconversível e destacava que não só os advogados da moeda metálica,
como também os trabalhadores, acabavam por culpar a inconversibilidade pela
inflação. Ele se defendia dessa crítica dizendo que os prejuízos causados em
certos momentos se pagariam ao longo do tempo e, pela negativa, que a moeda
metálica tampouco seria solução, porque gerava outros tipos de crise, piores até
para o funcionamento da economia (Mauá, 2011a, p. 290).
A verdadeira força da moeda inconversível estaria na produção do
país. O efeito das flutuações seria amenizado caso a moeda fosse emitida por
países cuja renda estivesse apoiada em elementos econômicos e financeiros
capazes de sustentar o valor legal estampado no papel no ato de sua emissão. E
ilustra o poder da moeda inconversível ao dizer que “a história financeira
mostra-nos o papel-moeda intervindo para salvar das maiores crises essas
nacionalidades” (Mauá, 2011a, pp. 290-191).
Ao contrário do que indica Cláudio Ganns (2011, p.
101), é possível enxergar em Mauá uma apologia do uso da moeda
inconversível no Brasil do século xix, embora tivesse consciência de que poderia sofrer ataques de
seus adversários políticos como os mencionados anteriormente. Ele reconhecia o
peso da tradição da doutrina metálica e a condenação moral da emissão
inconversível, daí o cuidado com o discurso. No entanto, não acreditava que a
situação brasileira se encaixasse nessa doutrina e considerava os ataques
sofridos por ele como preconceito teórico e desconhecimento da realidade
nacional.
Diferentemente de outras experiências, a moeda inconversível estivera
presente no Brasil desde a criação do primeiro Banco do Brasil (Mauá, 2011a, p. 291) e, ao ser utilizada para toda sorte de negócios,
desde a compra de verduras até as mais altas operações financeiras, promovera um
importante progresso econômico no país. Ela teria evitado sacrifícios que
estariam além do alcance para superar as dificuldades nacionais caso houvesse
circulação metálica, como a necessidade de um expressivo e rápido aumento da
produção, a conversão de rendas derivadas da produção em metal ou a própria
importação de metais (Mauá, 2011a, p. 297). Por isso
considerava a lei dos entraves, de 1860, um grave erro de política econômica (Mauá, 2011a), p. 287.
A consciência da especificidade da experiência brasileira aparece com
clareza quando sugere que o uso da moeda inconversível no país seria um caso
peculiar de sucesso Sobre esse aspecto, indaga: não seria “um fenômeno digno de
ser estudado, envolvendo como envolve, a solução de um problema de economia
social?” (Mauá, 2011a, p. 292). Realmente, na época de Mauá,
a circulação de valores no Brasil dependia da moeda inconversível e ela parece
ter cumprido bem o seu papel, com o perdão do trocadilho. Segundo ele, ninguém
poderia dizer que o país tinha experimentado um retrocesso econômico usando a
moeda inconversível (Brasil. Ministério da Fazenda, 1860, p.
96).
Mauá se esforçava para mostrar que a moeda inconversível era adequada
às circunstâncias brasileiras e que, não poucas vezes, chegou a valer mais do
que o próprio ouro, já que representava o crédito do Brasil na criação de
riqueza (Mauá, 2011a, p. 295). Seria mesmo o potencial
produtivo do país a base do valor de sua moeda inconversível. Para ele, qualquer
papel de crédito assinado por quem fosse responsável e tivesse credibilidade na
sociedade teria confirmado seu valor de face. A moeda inconversível assinada
“pela nação brasileira” não seria inferior a nada. Apesar disso e das
desvantagens mínimas do seu uso, dizia Mauá, ela sempre foi alvo de crítica por
parte daqueles que, segundo ele, “se limitaram a ler o que a respeito escreveram
alguns nomes autorizados, sem querer estudar os fatos que nos são relativos” (Mauá, 2011a, p. 293).
De fato, Mauá era crítico dos doutrinários inflexíveis e tentava
contrapor as teorias econômicas da época à realidade brasileira (Mauá, 2011a, p. 281). Considerava a economia política tendo em vista
sua necessidade de lidar com diversas questões e realidades distintas e a
criticava por muitas vezes pretender explicar problemas específicos com
generalizações impróprias. O que exporia a necessidade de rever certos
postulados diante de outros contextos ou desconsiderá-los diante de sua
inadequação (Mauá, 2011a, p. 282).
Isso não significava abandonar os princípios econômicos, o que seria
"navegar sem bússola" (Mauá, 2011a, p. 285), mas adaptá-los
às especificidades do Brasil, uma vez que, diante das circunstâncias, não
conseguiriam explicar a nossa realidade peculiar, pois o Brasil teria sido o
único país a dispensar completamente a moeda metálica. Assim, já que o país
seria exceção, “como ir buscar na regra os meios de melhorar o instrumento de
que nos servimos?” (Mauá, 2011a, p. 297).
Era assim que Mauá se contrapunha à autoridade teórica e utilizava-se
da prática no contexto de uma realidade específica para avançar suas ideias e
recomendações sobre a moeda e o crédito no Brasil. No final da década de 1870,
Mauá recomendava, com base na experiência, dobrar a quantidade de meio
circulante dentro de poucos anos. Esse tipo de recomendação sempre vinha
acompanhado da prudência necessária para evitar o abuso, ressalva também comum
em Souza Franco (Gambi, 2015a), mas essa proposta parecia
menos arriscada depois da experiência da guerra do Paraguai.
Durante a guerra, houve grande emissão de moeda inconversível.
Esperava-se que seu efeito fosse uma desvalorização mortal da moeda nacional,
comparável ao caso dos assignats franceses. No entanto, a
desvalorização e a inflação não vieram como esperado pelos defensores da moeda
metálica e Mauá dizia que “os fatos vieram mais uma vez dar solene desmentido às
previsões desses pregoeiros da ruína, que se evitava com o próprio fato por eles
condenado!” (Mauá, 2011a, p. 301). Isso era, para ele, sinal
da insuficiência de meio circulante, tanto que em maio de 187517 o governo fez uma emissão especial para auxiliar os
bancos de depósito.
Se o câmbio não se desvalorizou com a expansão emissionista durante a
guerra, como seria esperado teoricamente por alguns, tampouco se valorizou com o
recolhimento da emissão especial usada no auxílio aos bancos. Tais fatos foram
mobilizados para sustentar suas ideias sobre o funcionamento do câmbio.
Câmbio
Para Mauá, ao contrário dos defensores da moeda metálica e
partidários da escola monetária, a moeda não estava intimamente ligada ao
câmbio. Ele tentou provar seu ponto tanto em O Meio circulante do
Brasil quanto em seu depoimento à comissão de inquérito sobre a crise
de 1857, no qual tratou especificamente da questão cambial.
Os fatos eram fundamentais para Mauá e ele se aferrava àqueles que
insistiam em contradizer a teoria econômica que relacionava emissão e câmbio. Em
O Meio circulante, relembrou os anos de 1839, 1841 e 1843 quando
houve aumento de emissão inconversível sem afetar, ou até mesmo melhorar, o
valor da moeda.
Como a moeda no Brasil era inconversível, Mauá explicava esse
resultado pelo valor dos produtos exportáveis, segundo ele o que realmente
regulava o valor da moeda (Mauá, 2011a, p. 300). Os fatos
referidos acima faziam Mauá questionar o valor prático das teorias em relação ao
papel-moeda do Brasil, as quais, mesmo contradizendo a realidade, eram apoiadas
por economistas “da maior pujança científica” (Mauá, 2011a, p.
303).
Mauá reconhecia que definir o que determinava o câmbio não era uma
questão trivial, havia confusão entre o que era essencial e acidental
derivando-se daí conclusões equivocadas afirmadas como verdades por autoridades
econômicas legítimas (Brasil. Ministério da Fazenda, 1860, p.
93). Novamente, Mauá se rebelava diante dos argumentos de autoridade.
Se, para Mauá, o valor dos produtos exportáveis regulava o valor da
moeda, definia também o curso do câmbio, pois interferia na oferta e demanda no
mercado de cambiais. Se aumentassem os saques sobre as praças com as quais o
Brasil mantinha relações comerciais, o câmbio se elevava, isto é, se valorizava;
se diminuíssem, o câmbio declinava.
Com isso, Mauá voltava os olhos para a estrutura da economia
brasileira, uma vez que a importação de manufaturados era paga majoritariamente
com a exportação dos produtos agrícolas, cujas colheitas costumavam ser anuais.
A baixa do câmbio apareceria quando estivessem presentes pelo menos um desses
fatores: uma queda na produção agrícola; uma queda na demanda por esses produtos
nos mercados consumidores e, consequentemente, a baixa de seus preços; um
déficit comercial ou outras influências menores e transitórias (Brasil. Ministério da Fazenda, 1860, p. 93).
Mauá entendia que, dada a diversidade de fatores que poderiam
concorrer para uma pressão sobre a praça, seria difícil preveni-las por meio de
legislação. Pelo contrário, dizia, medidas coercitivas à ação do crédito
poderiam causar males mais graves do que os que se pretendia prevenir (Brasil. Ministério da Fazenda, 1860, p. 98). O curso do
câmbio seria sempre influenciado pelo nível de produção agrícola e pelo comércio
externo, ainda que causas transitórias também pudessem interferir no seu valor.
Era a mesma posição daqueles que, no debate monetário, não defendiam a moeda
metálica, como Souza Franco (Gambi, 2015a). Interessante
notar que, pelo menos no discurso, Mauá rejeitava categoricamente a especulação
como causa de flutuações cambiais, dizendo que em trinta e quatro anos de
experiência comercial no Rio de Janeiro nunca tinha visto “liga entre os
sacadores para alta ou baixa do câmbio” (Brasil. Ministério da
Fazenda, 1860, p. 94).
A baixa dos preços dos produtos agrícolas brasileiros nos mercados
consumidores teria sido, no diagnóstico de Mauá, a principal causa da crise de
1857 e não as emissões bancárias, como queriam os “sectários da escola
restritiva” (Brasil. Ministério da Fazenda, 1860, p. 93), não
havendo “motivo para os gritos descompassados que levantam os sectários da
escola restritiva contra as emissões bancárias, limitadas e garantidas como elas
são entre nós” (Brasil. Ministério da Fazenda, 1860, p. 95).
Não obstante, os adversários de Mauá usariam com habilidade a crise
externa para imputar à política monetária expansionista de Souza Franco,18 .footnoteRef} então ministro da Fazenda, a
responsabilidade pela crise interna. Apesar dos esforços do ministro e do
próprio Mauá para mostrar o contrário, ganhava força na imprensa e no governo o
diagnóstico do excesso de emissão como causa da desvalorização cambial (Gambi, 2015b).
Mauá negava esse diagnóstico com veemência. Embora aceitasse, por
princípio, que a emissão inconversível poderia influenciar no câmbio, na análise
da realidade brasileira, e da crise de 1857 em particular, isso não seria
aceitável. Segundo ele, para dizer que a emissão seria responsável pela baixa do
câmbio era preciso mostrar: que a conversibilidade em metal era praticada antes
da crise; que o meio circulante do Império nessa época era realmente superior às
necessidades das transações; que não se deram então outras causas que, em épocas
anteriores, em que a circulação consistia exclusivamente em papel moeda do
Estado, produziram o mesmo resultado.
No entanto, recorrendo aos fatos, ninguém poderia negar que: a
conversibilidade em metal não era praticada antes da crise, a não ser
determinados momentos; que o meio circulante não era excessivo, porque a taxa de
juros permaneceu estável; que os eventos de 1848 na França também derrubaram o
preço dos produtos agrícolas brasileiros e, consequentemente, o câmbio, mesmo
não havendo naquela altura emissão inconversível de bancos em circulação (Brasil. Ministério da Fazenda, 1860, p. 95).
A pressão monetária no Brasil ocorreria como em qualquer outro lugar
em função de grandes liquidações de cambiais e de épocas de colheita. Se não
houvesse instituições de crédito para fornecer os recursos necessários para
essas transações, a pressão se manifestaria com maior intensidade e, no caso
brasileiro, como ocorria frequentemente entre novembro e dezembro de cada ano,
atingiria proporções que poderiam elevá-la à categoria de crise (Brasil. Ministério da Fazenda, 1860, p. 98).
Qualquer legislação preventiva teria pouco efeito contra as crises.
Mauá acreditava que o próprio mercado as corrigiria e garantiria o retorno das
operações regulares do comércio. As crises seriam, no final, “reações
necessárias que, como as tempestades no mundo físico, restauram o equilíbrio dos
componentes atmosféricos quando estes se acham em desarmonia entre si” (Brasil. Ministério da Fazenda, 1860, p. 98).
Em síntese, para Mauá o câmbio no Brasil era determinado, em última
instância, pela produção agrícola e pelas condições do mercado externo. As
emissões, como explicado, não tinham relação com a desvalorização da moeda por
serem inferiores às necessidades da economia na época. Ainda para afirmar seu
ponto, Mauá diz que bastaria verificar o comportamento das emissões e do câmbio
em outras épocas e não se encontraria um movimento proporcional e unidirecional
entre as duas variáveis.
De tudo o que foi exposto até aqui, é possível dizer que Mauá negava
a ortodoxia monetária da época, isto é, a emissão de moeda metálica; defendia a
liberdade bancária com o intuito de expandir o crédito para a produção e o
comércio; propunha a pluralidade de emissão em papel inconversível para
estimular a produção e a circulação de mercadorias no Brasil; defendia a criação
de um sistema de crédito bancário nacional; refutava a ideia de que as emissões
influenciavam o câmbio, cuja explicação estaria nas flutuações de sua oferta e
demanda, naquele momento específico resultado da deficiência das colheitas,
estagnação das exportações, da depreciação desses produtos nos mercados
consumidores e da importação excessiva. A clareza dessas ideias e a veemência de
sua defesa, todavia, não eram suficientes para eliminar as práticas típicas de
um liberal da Corte brasileira.
Considerações finais
O confronto das ideias de Mauá sobre o progresso econômico; a moeda e
o crédito; e o câmbio expostas nos três textos analisados neste artigo
–depoimento à comissão de inquérito de 1859, O meio circulante do
Brasil e Autobiografia– com seus interesses privados e sua
ligação com o Estado ilumina nesse personagem fascinante um típico exemplar do
liberalismo brasileiro do século xix.
Sem dúvida Mauá foi influenciado pelo ideal liberal da economia
clássica inglesa.19 Vimos isso em sua crítica à
intervenção do Estado nas questões econômicas, especificamente às medidas
preventivas que amarravam ainda mais a oferta de moeda e o crédito no país. Por
outro lado, Mauá era um homem da Corte, próximo de políticos influentes, tanto
conservadores, quanto liberais, como Itaboraí e Souza Franco. Foi agraciado com
os títulos de barão e visconde, e não usava meias palavras para solicitar o
auxílio estatal para seus negócios, ainda que sempre com a justificativa de que
atuava em nome do interesse nacional. Portanto, Mauá estava muito mais próximo
do Estado do que se poderia supor a partir de sua defesa do liberalismo e do
exemplo inglês.
Na literatura, Mauá é visto frequentemente como industrialista.
Contudo, a documentação analisada revela que, em sua visão, a chave para
solucionar os problemas da economia brasileira à época não se resumia à
indústria, mas ao aumento da produção em geral, especialmente a agrícola, e no
desenvolvimento do comércio, atividades mais condizentes com as circunstâncias
do país. A produção era a base do valor da moeda inconversível e o determinante
do câmbio. Como ele mesmo afirmava em seu depoimento, “uns querem muito ouro,
outros muito papel. Eu pela minha parte quisera ver muito trabalho, muita
indústria e muita produção” (Brasil. Ministério da Fazenda, 1860,
p. 99). Vale lembrar que o termo indústria referia-se a qualquer
produção e não especificamente à industrial. Em momento algum fica clara a
defesa da industrialização do país, apenas o estímulo à criação de indústrias
que conseguissem sobreviver sem auxílio governamental, bem ao gosto liberal.
No fundo de sua argumentação sobre a moeda e o crédito, e tendo em
vista sua forte percepção da peculiar realidade brasileira, parece-nos que Mauá
era mesmo um defensor da liberdade bancária, da pluralidade de emissão e da
moeda inconversível. Suas ideias nesses aspectos se mostraram coerentes nesses
escritos e, de fato, o colocariam no debate no lado do papelismo puro.
Destaque-se a consciência de Mauá em relação às especificidades da economia
brasileira e à necessidade de recepção crítica das teorias estrangeiras.
Não obstante, vale dizer que a defesa de um papelismo puro seria
especialmente conveniente ao seu negócio bancário. Se a credibilidade do emissor
era a fiadora do valor da moeda fiduciária, esse requisito não lhe faltaria na
praça e daria motivo para pensar que a emissão de seu banco se valorizaria
diante da concorrência, mecanismo que, segundo ele, deveria regular as emissões.
A experiência da emissão de vales do seu Banco do Brasil de 1851 reforçaria esse
pensamento. Mauá propunha, então, um jogo aparentemente livre, mas do qual sabia
que sairia vencedor.
Em síntese, entre o discurso em defesa do liberalismo clássico e a
atuação próxima do Estado em seus negócios, Mauá foi capaz de apresentar um
conjunto de ideias coerente e adaptado à realidade nacional em defesa da
liberdade bancária e da moeda fiduciária. As dissonâncias de sua posição na
questão monetária, reveladas no contraponto de Alberto de Faria e Cláudio Ganns,
devem-se mais, a nosso ver, às possibilidades do debate político da época. Para
ser mais influente nesse debate e na política econômica da época, seria mais
conveniente não externar qualquer ideia mais extrema e se posicionar
pragmaticamente entre a moeda inconversível e os princípios da escola bancária
inglesa.