Am. Lat. Hist. Econ., vol. 17, núm. 1, enero-junio, 2010, pp. 202-205. http://alhe.mora.edu.mx/index.php/ALH
Reseñas
José Jobson de Andrade Arruda, Uma colonia entre dois imperios: a abertura dos portos, 1800-7808, Bauru, SP, EDUSC, 2008
Na contramão do que predominou sobre os lançamentos na área da historia acerca da comemoração dos 200 anos da Abertura dos Portos, com a chegada da Corte Portuguesa no Brasil em 1808, que privilegiaram a história política, José Jobson de Andrade Arruda, através da análise estrutural-dependista, e de uma história totalizante, apresenta uma estimável contribuição para o debate sobre o tema.
O livro, fruto de uma intensa pesquisa primária, e parte do Projeto Temático Dimensões do Império Português, financiado pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), está relacionado com uma importante historiografia brasileira que tem como ponto de partida as análises do historiador marxista Caio Prado Júnior, e continuada por outros historiadores (pesquisadores e professores) como Fernando Novais, o próprio José Jobson de Andrade Arruda e muitos outros, que busca explicar o evento histórico, a chegada da Corte portuguesa e a abertura dos portos, a partir da relação do evento (o político) com a estrutura econômica e social. Combatida nos últimos anos, seja pelos adeptos da nova história política, seja pelos da micro-história italiana, a leitura estrutural-dependentista da usp, como é conhecida no Brasil, mostra que está bem viva e pronta para continuar o debate.
Dividido em uma introdução e mais três capítulos, o livro destaca que a abertura dos portos (Carta Régia de 28 de janeiro de 1808), assim como os outros eventos anteriores e posteriores, como exemplo os tratados de 1810 (Tratado de Comércio e Navegação e Tratado de Aliança e Amizade) "são partes integrantes de um mesmo processo em que a metrópole portuguesa e a colónia brasileira são meros figurantes em que o lócus (grifo nosso) de poder decisório, das determinações históricas essenciais, [...], se aloja no Foreign Office, no coração político do Império Britânico" (cursivas nossas, p. 13). Em outras palavras, coube a Grã Bretanha, e não a Portugal, a decisão política que marcou a história de Portugal e do Brasil, e que vai desdobrar mais tarde, em 1822, na independência do Brasil.
No capítulo 1, o autor analise a conjuntura pré-1808, marcada por uma Europa continental em crise face ao exército Napoleão e, principalmente, a repercussão sobre Portugal, um reino com um império ultramarino em declínio, e que estava sendo pressionado para aderir ao projeto do imperador francês, após a queda da Espanha. Centrando sua análise no ano de 1807, quando George Canning, assumindo pela primeira vez o Foreign Office britânico (25 de março de 1807), o autor destaca, através de uma documentação primária inédita, o Projeto de Canning atrás da Convenção Secreta de Londres (1807), e que virou a mesa da diplomacia a favor dos britânicos contra os franceses: a manutenção da soberania da casa de Bragança sobre um novo império português com a sede no Brasil. Caso não aceitasse, Portugal seria invadido, pois, como previsto na Convenção Secreta, havia uma força de 5 000 homens que desembarcariam em Lisboa.
Portanto, face à pressão militar e diplomática, em Lisboa Canning contou com a ação de seu representante e auxiliar lord Strangford junto a D. Rodrigo de Souza Coutinho (futuro conde de Linhares), um dos adeptos do partido inglês na Corte portuguesa, a vitória foi britânica e as repercussões seriam negativas para Portugal com a progressiva perda da "jóia da coroa": o Brasil.
No capítulo 2, mais extenso do que o primeiro e com uma farta documentação serial, e com muitos dos documentos também inéditos (anexos), o autor analise a nova política de expansão imperialista britânica. Face à revolução industrial, a Grã Bretanha, a primeira nação industrial no dizer do historiador inglês Peter Mathias, impôs uma nova política econômica de livre cambismo, atrelada ao novo sistema econômico mundial relacionado ao capitalismo industrial, contra uma política econômica mercantilista, baseada nos monopólios e privilégios, como era a política econômica portuguesa, inserida no antigo sistema colonial (no dizer de Fernando Novais, o colonialismo mercantilista).
No entanto, antes de se tornar de fato dependente da Grã Bretanha, Portugal, em meados do século XVIII, tendo a frente Sebastião José de Carvalho e Melo (conde de Oeiras em 1759, marques de Pombal em 1769), secretário do reino (1756) do reinado de dom José I (1750-1777), implementou uma "nova" política econômica e administrativa, tanto para a metrópole, quanto para suas colônias. Face ao declínio da mineração do ouro e diamantes do Brasil, que erodiu as contas e a opulência do reino, Sebastião José de Carvalho e Melo pôs em prática uma política de cunho fisiócrata, estimulando a diversificação agrícola e as exportações para novos parceiros comerciais, uma política marcadamente anti-britãnica. O Brasil tornou peça chave nessa política, com o incentivo a produção de novas culturas em diversas regiões (como anil, algodão) e a expansão de outras (produtos da pecuária como couros, atanados e outros) para a exportação. E importante destacar que, do ponto de vista administrativo, além do fortalecendo das Secretarias de Estado em detrimento dos antigos Conselhos, para os assuntos da fazenda, o marquês de Pombal criou o Erário Régio (1760).
A política pombalina, como ficou conhecida na história, mesmo com a queda do referido marques de Pombal com a morte de dom José I (e a ascensão de sua filha dona Maria I), continuou e trouxe efeitos positivos para Portugal. Segundo José Jobson, em virtude das exportações do Brasil para Portugal, e as re-exportações dessas para a Europa, ocorreu uma inversão: Portugal, que tinha déficits com a Grã Bretanha, passou a ter superávits. No dizer de José Jobson Arruda: "no qüinqüênio seguinte, 1790-1795, pela primeira vez em todo o século XVIII, as exportações portuguesas para a Inglaterra superaram as importações, obrigando os ingleses a remeterem ouro para Portugal, algo absolutamente inusitado" (p. 52). Esse fluxo de comércio ressaltado pelo autor, com o Brasil desempenhando papel chave, seja nas exportações, seja na importação de produtos britânicos e portugueses, foi baseado no cruzamento das informações da documentação da Balança Geral do Comércio do Reyno de Portugal com seus Domínios Ultramarinos e Nações Estrangeiras (vários anos), elaboradas sob a direção de Maurício José Teixeira de Moraes, com a documentação britânica (inédita), encontrada no National Archives, PRO, Export from Great Britain by countries, customs.
Face à situação descrita, era preciso, portanto, uma ação dos britânicos. A conjuntura do início do século XIX reverteria à situação. A vinda da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, e os eventos sucedâneos como a abertura dos portos (1808) e os tratados de 1810, favoreceram não só as importações de produtos britânicos em detrimento dos portugueses e de outros países, como também determinaram o fim do monopólio dos portugueses, provocando uma estagnação da indústria portuguesa, que vinha crescendo com a política implementada desde 1750 com Pombal. O autor retorna ao debate com autores portugueses, como Valentim Alexandre e Jorge Pedreira, chamando atenção de que a perda do Brasil marcou o declínio de Portugal, e citando o próprio Valentim completa: "como era de se esperar, a crise é mais intensa nos artigos mais expostos à concorrência britânica -os têxteis, e dentro destes, os lanifícios e os algodões" (p. 81).
No capítulo 3, o evento 1808 retorna. O antigo sistema colonial (asc) português estava em crise, e a questão da intensificação do contrabando no Brasil no século XVIII, apoiado na obra de Ernst Pijning, Controlling Contraband: Mentality, Economy and Society in Eighteenth Century (1997), já demonstrava a fraqueza da "mãe pobre". Os Tratados de 1810 consolidaram a hegemonia britânica, e a preeminência inglesa no Brasil, título da famosa obra de Alan K. Manchester (Iª edição de 1933), era inconteste. O príncipe regente, depois, com a morte da rainha mãe, dom João VI, na visão de José Jobson Andrade Arruda foi bastante lúcido, pois Portugal estava espremido entre dois gigantes na Europa, e a única saída, "embora forçada", era de vir para o Brasil. A chegada da corte no Brasil, ao mesmo tempo em que deu sobrevida à dinastia de Bragança, fez com que o Brasil desse adeus a Portugal, e ganhava uma "madrasta rica". Em outras palavras, o significado de 1808 pode ser sintetizado para o autor, parafraseando Sérgio Buarque de Holanda: "o galho (Brasil) era pesado e o tronco gasto (Portugal), mas decisivo foi o corte afiado do machado de Sheffield (Grã Bretanha)".
Carlos Gabriel Guimarães
Universidade Federal Fluminense