Am. Lat. Hist. Econ., núm. 31, enero-junio, 2009, pp. 223-226. http://alhe.mora.edu.mx/index.php/ALH


Reseñas

 

Carla Maria Carvalho de Almeida e Mônica Ribeiro de Oliveira (organizadoras),
Nomes e números: alternativas metodológicas para a história econômica e social,

Juiz de Fora, UFJF, 2006, 352 pp.

 


A organização de publicações que agregam um número variado de artigos em torno de um tema, ou ainda, de áreas de estudo mais ampias, tem sido fato recorrente tanto na historiografía brasileira quanto no âmbito internacional. A confecção das coletâneas geralmente se efetiva sob a tutela dos departamentos, dos laboratorios de pesquisa, dos grupos de estudo, ou mais restritamente, através de esforços individuáis. De uma forma ou de outra, independentemente do seu locus de produção, estas publicações alimentam, em sua origem, dois momentos intelectuais distintos, embora não excludentes. Por um lado, estas coleções têm um caráter mais restrito, em que sua própria organização se dá de forma mais especifica, já que os textos que as compõem têm desde seu inicio uma finalidade dada, qual seja, a de corroborar na construção da coletânea. Por outro lado, a reunião de artigos originalmente destinados à apresentação em coloquios, seminarios, congressos, conferências etc., apresentam uma lógica diversa, já que o seu destino inicialmente proposto não era dirigido para a publicação em forma de coleção. De todo modo, as duas modalidades apresentam um quadro coraum a qualquer obra historiográfica, que é colaborar de modo especifico na construção ou reconstrução dos enfoques, ou alternativamente, de paradigmas sobre determinados temas e/ou objetos.

De qualquer forma, a reunião de textos sob um mesmo foco, não se limita a um processo de reunir, construir ou reconstruir paradigmas, compartilhados ou não , em meio à multíplicidade de enfoques possíveis e variáveis, mas estende–se e atinge seu caráter mais nobre ao possibilitar a reflexão sobre os avanços, até entáo apreendidos, ñas pesquisas acerca de um mesmo eixo, seja ele temporal, metodológico, temático ou teórico. Sendo assim e neste mesmo sentido, apresenta–se a obra objeto desta recensão, organizada pelas professoras Carla Maria Carvalho de Almeida e Mônica Ribeiro de Oliveira –Nomes e números: alternativas metodológicas para a história econômica e social–, ambas docentes pelo Programa de Pós–graduação em História, Cultura e Poder da Universidade Federal de Juiz de Fora.

"È possível apreender o outro?" Pergunta constante a diversas áreas do conhecimento, esta sentença adquire enorme sentido na prática historiográfica e tem martelado as nossas cabeças a um longo período, mas talvez a sua crueza nunca tenha se desvelado tão incômoda como hoje. Com certeza, uma enorme quantidade de tinta e papel já foi utilizada, mas por toda parte existe uma quantidade enorme de pretendentes, da religião à medicina, da psicología à física, da filosofía à história, que se propõem se não esgotá–la, pelo menos contribuir com esses dilemas.

No oficio de históriador, questões como essa e de presumível dificuldade, são ainda acrescidas pelo fator tempo, de modo que as nossas indagações são sempre permeadas por não mais que indicios, resquicios, reflexos deformados, fragmentos de vivência que restaram de nossas testemunhas. Com certa nostalgia podemos nos lembrar e regozijar de nossos antecessores que até pouco tempo, partilhavam do confortável abrigo que o status de profissional da história e de uma certeza quase colossal de que o conhecimento histórico era não somente imparcial, justo, prudente, cauteloso, mas tarnbém ao nível das ciências naturais, científico, os provia. Mas não herdamos tantas certezas, e os questiona–mentos da nossa prática não se fizeram imediatamente solucionáveis.

Na historiografía brasileira, estes incômodos também se fizeram sentir sobre o fazer historiográfico, tornando–se imprescindível e urgente renovar os aparatos teóricos e estabelecer novos caminhos metodológicos, proposta esta seguida de perto por esta obra, em que esta tensão historiográfica torna–se visível e os seus textos são uma tentativa de apontar resultados práticos destas reflexões.

Originalmente fruto de um Colóquio realizado pelo LAHES –Laboratorio de História Economía e Social– da UFJF, o livro divide–se em seis partes, subdivididas em quinze capítulos. A primeira parte compõe–se de dois capítulos de caráter teórico–metodológico, discutindo as relações entre poder, mercado e trabalho e ainda as potencialidades da micro–história para as análises da história econômica e social. A segunda parte, composta por três capítulos, discute a composição e as formas de atuação das élites no espaço colonial. A terceira parte, com dois capítulos, discute os negocios no Império Português e sua articulação com a administração e autoridades régias. A quarta parte, com três capítulos, analisa as relações familiares no Brasil escravista. A quinta parte, composta por dois capítulos, discute os circuitos económicos regionais. Na sexta e última parte, com três capítulos, discute–se as experiências do trabalhador brasileiro em distintos contextos.

O interessante a salientar é que aparentemente dispersos em seus temas e enfoques, os textos reunidos na obra possuem um foco comum, um eixo que os une, que é a preocupação em conjugar as análises de caráter estrutural e generalizante, baseadas ñas fontes passíveis de formar grandes complexos seriáis, com aquelas fontes de caráter microscópico. Fontes ñas quais se podem ouvir o eco destes indivíduos, onde é possível instá–los a "participar" de sua própria trama, onde eles são chamados por seus nomes e não apenas como membros silenciosos de gráficos e percentagens, e que por isso mesmo colocam em evidência os atores sociais e as suas possibilidades de atuação, dentro dos limites é claro, como elemento constitutivo e essencial para a apreensão da realidade histórica.

Ainda neste sentido, o mergulho das grandes estruturas, dos grandes modelos teórico–explicativos e da quantificação à permeabilidade de uma perspectiva de análise mais complexa, verticalizada e microscópica admite e centraliza o indivíduo como parte integrante do movimento histórico. Consequentemente, congregar uma maior diversidade e cruzamento de fontes, tem permitido, sem perder a conexão com as hipóteses mais generalizantes e globalizantes, a superação e até, por que não , a colocação de novos impasses.

De fato, ao se buscar a leitura desta obra, o leitor irá perceber que, além disso, o que conecta todos os textos é a interlocução entre os estudos de história econômica e social com a história política, pensando nas conexões existentes entre o fenômeno do poder e a emergência e desenvolvimento das relações de mercado, bem como das relações de trabalho que estão intrínsecamente relacionadas a estas. Dessa forma, os textos que corporificam a obra, estao preocupados em seus diversos enfoques, com a formação, em suas múltiplas dimensões, dos atores presentes no âmbito do trabalho e do mercado, procurando ainda apreender as relações estabelecidas entre estes atores e as institucionalizações do poder, dos interesses na sociedade civil, dos processos de resistência, da representação política e das modalidades de intervenção do Estado.

Neste sentido, valoriza–se o indivíduo como agente histórico, e admitise que os atores possuem capacidade para influenciar a ação do Estado e assim, adquire força a idéia de que todos os sistemas normativos possuem brechas, lacunas e que mesmo dentro de limites muito específicos, os indivíduos podem através da sua experiência, elaborar e efetivar estratégias de movimentação dentro destes sistemas. Ainda nesta direção, o eixo da obra nos coloca frente à capacidade, à liberdade que os atores sociais possuem, dentro dos limites evidentes em todos os sistemas normativos ou sistemas de significações, de se manobrar, de agir e interpretar, de modo que estes mesmos indivíduos, enquanto atores sociais, não se movem apenas e em função de suas esferas/arenas, mas vinculam–se às múltiplas dimensões da interação social. Dessa maneira, podemos passar a uma abordagem bastante frutífera de que existiría uma coexistência, superposição e interpenetração de formas variadas de manifestação da realidade em suas múltiplas instâncias.

Em síntese, esta nova forma de encarar a realidade tem permitido não somente uma nova abordagem dos objetos da história, mas principalmente trouxe a possibilidade de apreender a sociedade, e em nosso caso, as sociedades no passado, da forma mais complexa possível. De todo modo, pensar os nomes e números, sob a perspectiva de conjugação entre as grandes estruturas e as análises de reduzida escala, seja talvez o maior mérito desta obra, já que a sua perspectiva tem cada vez mais adquirido terreno, ao passo que as noções dualistas, polarizadas, ou mesmo bipolarizadas, estão incessantemente sendo recolocadas a partir de uma perspectiva mais aberta, mais holista e flexível, mais sensível à fluidez, permeabilidade e porosidade dos relacionamentos pessoais, do comércio, da sociedade e do governo dos impérios, assim como da variedade e nuança de práticas e crenças religiosas.

 

Felipe Rodrigues de Oliveira
Programa de Pós–graduação em História Universidade Federal de Juiz de Fora.